Geraldo Alckmin se reinventa à esquerda, dá volta por cima e será caixeiro-viajante de Lula

Chegada do ex-tucano à Esplanada dos Ministérios sacramenta promessa de petista de não isolar o vice do processo decisório e governar sob uma frente ampla

Geraldo Alckmin e Lula

Beatriz Bulla, Luiz Vassallo, Gustavo Queiroz, Adriana Ferraz e Pedro Venceslau - Estadão

O ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB) será agora uma espécie de caxeiro-viajante. Foi escolhido pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para chefiar o Ministério da Indústria e Comércio, fortalecido com o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Com o cargo, Lula indica, publicamente, que Alckmin assumirá uma vice-presidência turbinada após desempenhar durante a campanha o papel fundamental de fiador da chapa junto a grupos que divergem do PT e da esquerda. Quatro anos depois de amargar o pior desempenho de um presidenciável do PSDB em uma corrida presidencial - ficou em quarto lugar, em 2018 -, Alckmin se reinventa e dá a volta por cima.

Mas o caminho percorrido pelo ex-tucano até a esperada subida da rampa do Planalto no domingo, 1º, mesmo que como vice-presidente, não foi linear e muito menos planejado. Antes de aceitar conversar sobre uma aliança para compor a chapa petista, Alckmin estava à frente de uma coalizão contrária às pretensões de João Doria, a quem desde 2018 considera como um traidor.

Então pré-candidato ao governo paulista, que poderia governar pela quinta vez, Alckmin já pensava em deixar a sigla e tinha o apoio de nomes de peso da política paulista: seu sucessor, Márcio França (PSB); o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) e Paulo Skaf, então no MDB. Mas, isolado no PSDB e cortejado por colegas à esquerda, ele teve paciência para aguardar. Aliás, paciência e perseverança são características sempre apontadas por aliados, além de lealdade.

“Alckmin será um vice-presidente leal. Foi assim com Mário Covas e será assim com Lula, que precisou dele para ganhar. Ele até poderia ter disputado o governo de São Paulo se o Doria e o Rodrigo Garcia não o tivessem empurraram para fora. Mas ele deu a volta por cima. Isso só acontece com pessoas como ele, honestas e sérias. Agora está lá, bem enturmado e bem animado”, diz o amigo Pedro Tobias, ex-presidente do PSDB-SP.

Espécie de fiador de uma frente de esquerda que soube caminhar ao centro contra a reeleição de Jair Bolsonaro, Alckmin chegou a enfrentar resistência de parte da militância petista, mas, de novo, soube esperar. Preferiu, como sempre, a discrição. Em vez de confrontar esquerdistas contrariados com sua escolha, partiu para o trabalho. 

Com a mulher, Dona Lú, à tiracolo, o ex-governador rodou o País com ou sem Lula em busca de votos. Reviveu, pela terceira vez, uma campanha presidencial. mas agora ao lado de seu então adversário.

O que no começo parecia artificial foi ganhando naturalidade. A união de vice e presidente eleitos foi crucial para Lula conquistar o apoio de nomes fora da esquerda e sinalizar aos eleitores que não nutre sentimento de revanchismo após a prisão no âmbito da Lava Jato. O perfil do vice fez com que personalidades públicas declarassem voto na “chapa Lula-Alckmin” - e não apenas no petista.

Para o ex-deputado federal Silvio Torres (PSDB), a convergência que uniu dois ex-adversários foi a necessidade de evitar que Bolsonaro consolidasse seu projeto de implantar no Brasil um regime antidemocrático em todos os sentidos, com um viés ideológico de extrema direita. “A experiência reconhecida de Alckmin como gestor e político sério, ponderado, foi decisiva para atrair um eleitorado que via com desconfiança um novo governo petista. Lula anteviu isso ante a dificílima eleição que teria pela frente”, disse.


Ministro

O acerto eleitoral se estendeu para o governo. Lula assumirá a Presidência aos 77 anos, com o País politicamente dividido, um Congresso hostil, desafios econômicos e instituições desgastadas. Diante do desafio, tem dito que contará com a experiência política de Alckmin. Antes mesmo da posse, o vice já teve destaque ao assumir a coordenação do governo de transição, em vez de petistas históricos, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, ou Aloísio Mercadante.

A escolha do ex-tucano para chefiar a pasta da Indústria e Comércio, no entanto, aconteceu após empresários recusarem o convite ao cargo, como o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, que é é alvo de críticas de um grupo de empresários. Em sua nova função, vai cuidar da nova política industrial do novo governo, e também terá sob seu guarda-chuva de atuação a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).

O ex-tucano chegará a Brasília depois de duas candidaturas frustradas à Presidência pelo PSDB. Em 2006, foi derrotado por Lula. Em 2018, não chegou ao segundo turno, que foi disputado pelo presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e por Fernando Haddad (PT). 

Antes de selar a aliança com o ex-presidente, Alckmin considerava a possibilidade de disputar novamente o governo de São Paulo. Uma vez unido a Lula, por intermédio do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ele recebeu a incumbência de ajudar a desarmar o espírito de atores econômicos, dialogar com a classe média, com o agronegócio e com setores de saúde, além de criar espaço para o avanço do PT no interior conservador do Estado de São Paulo e em cidades bolsonaristas em Minas Gerais.

Durante as viagens de campanha, Alckmin mantinha por telefone contato com importantes nomes da economia, enquanto, sem tempo entre um compromisso e outro, recorria a um misto quente ou um sanduíche Big Mac para o almoço. 

Conseguir a adesão do ex-ministro da Fazenda do governo de Fernando Henrique Cardozo, Pedro Malan, foi uma das articulações mais duras encampadas pelo vice. Malan ainda guardava mágoas pelas referências de Lula ao que chamava de “herança maldita” na economia deixada em 2003 pelo PSDB, mas acabou declarando voto na chapa. O vice também ajudou a atrair Pérsio Arida, com quem manteve contato ao longo do ano, um dos pais do Plano Real, além de uma lista de tucanos históricos.

Coube ainda a Alckmin a tarefa de buscar Simone Tebet (MDB-MS), candidata à Presidência no primeiro turno, antes do encontro da senadora com Lula. Agora, Tebet vai chefiar o Ministério do Planejamento. Ao lado do ex-tucano, a equipe econômica de Lula também contará com Haddad e com Esther Dweck no Ministério de Gestão e Inovação.


CHUCHU

O perfil discreto que rendeu a Alckmin o apelido pejorativo de “picolé de chuchu” em disputas passadas tornou-se um ativo político em 2022 para ajudar a atrair descontentes e indecisos durante uma eleição entre dois candidatos com alto índice de rejeição. O ex-governador chegou a ser rejeitado por uma ala do PT e vaiado em um evento durante a pré-campanha. Em poucos meses, no entanto, reverteu o mal-estar a ponto de ser bem recebido ao subir em um palco montado no Armazém do Campo, local de venda de produtos do MST no centro de São Paulo.

Nas ocasiões em que esteve em meio a plateia inicialmente hostil a seu nome, Alckmin fez discursos curtos, sempre com alguma referência bem humorada. Foi no ato de lançamento da chapa Lula-Alckmin, em 7 de maio, que o candidato a vice testou essa tática e lançou a piada sobre o que chamou de novo “hit da culinária”: lula com chuchu. Lula e os presentes riram. No mesmo discurso, Alckmin prometeu lealdade a Lula, se mostrou o fiador da tentativa de criação de uma frente ampla e começou a conquistar a confiança da militância petista. Ele chegou ao fim da campanha ouvindo, durante uma carreata, gritos carinhosos que diziam: “chuchu no Jaburu” e “o chuchu é nosso”.

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