Entrevista do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes ao jornal O Globo

‘Não é momento de fazer oposição, mas, sim, de somar’, diz emedebista sobre entrada da sigla na base do futuro governo Lula

Ricardo Nunes

Bianca Gomes e Eduardo Graça - O Globo

Crítico da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha eleitoral, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), agora afirma ver com bons olhos o embarque de seu partido no governo petista. Para o emedebista, que assumiu a gestão da maior cidade do país após a morte do ex-prefeito tucano Bruno Covas, em maio do ano passado, não é momento de fazer oposição, e sim de somar.

De olho na reeleição em 2024, o chefe do Executivo Municipal paulistano já articula o apoio do governador eleito, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de legendas como PL, União Brasil, PSDB e Podemos, para enfrentar o candidato da esquerda, Guilherme Boulos (PSOL). Na esteira de suas apostas para ser reconduzido ao cargo está a implantação da tarifa zero no transporte público da capital, promessa que, diz ele, precisará da ajuda dos governos federal e estadual para sair do papel. 

ENTREVISTA

Com o senhor, que é um crítico do presidente eleito Lula e apoiou o nome de Tarcísio de Freitas para o governo de São Paulo, avalia a participação do MDB no futuro governo petista? 
Isso é um processo que demonstra bem que somos (o MDB) defensores verdadeiros da democracia. No meu caso, em específico, é até bom, pois melhora a interlocução com o governo Lula, que a gente torce para dar certo.

Vejo o apoio do MDB como uma ação natural, de um partido que entende que não é o momento de fazer oposição, mas, sim, de somar para que a gente possa ter um país melhor e desenvolver as políticas públicas necessárias.

Quais os efeitos dessa participação do MDB para seus planos de reeleição? Não pode atrapalhar? 
Acho que não. A eleição municipal, e temos discutido muito isso internamente, deve ser, como historicamente tem sido, uma eleição que fala muito da cidade, sem essa grande contaminação que acabou polarizando as eleições deste ano. O presidente Lula já declarou que vai apoiar o Guilherme Boulos. É normal. Evidentemente que os ministros do MDB, mesmo sendo do governo Lula, vão estar me apoiando.

Houve um desgaste na relação do senhor com a senadora Simone Tebet durante a campanha, justamente por ela ter apoiado o Lula. Em que pé está a relação de vocês hoje? 
Não houve desgaste. Ela teve um comportamento muito correto no segundo turno, não aceitou participar de agenda com a presença de pessoas ligadas à disputa eleitoral de 2024. Ela foi até além do que eu tinha como expectativa. 

Espera que ela esteja em seu palanque em 2024? 
Ela me falou isso na semana passada, mesmo sem eu perguntar. Disse que posso contar com ela, que será uma das minhas principais aliadas. 

Quais partidos o senhor conta para a reeleição? 
Eu já tenho um diálogo de apoio com PL, Republicanos, Podemos, PSDB, União Brasil e o PSC. Esses partidos já têm o compromisso de estarem junto com a gente em 2024.

Compromisso fechado? 
Isso. 

Há acerto para indicação da vice? 
O PL e o Republicanos já disseram que gostariam de indicar a vice. Não tenho como fazer esse compromisso agora. Temos uma grande aliança, num momento oportuno, lá em 2024, vamos poder sentar e dialogar. Mas ambos já deixaram registrado que pretendem fazer indicações. 

Algum nome já foi apresentado? 
Marcos Pereira (presidente do PL) disse que gostaria de deixar registrado a indicação da Maria Rosas (deputada federal). 

O senhor espera o apoio do governador Tarcísio? 
Sim. Tem caminhado para isso. Nas próprias palavras do Tarcísio, “é natural". Inclusive, eu já escutei que ele mesmo falou a pessoas próximas que não tem que inventar candidato e que é natural que seja o apoio a mim. 

Tendo uma boa relação com o Tarcísio, por que o MDB ficou de fora do secretariado estadual, junto com União Brasil e PSDB? 
Sequer pleiteamos um espaço no governo. 

Boulos, Lula e Fernando Haddad conseguiram votações expressivas na periferia de São Paulo nas últimas eleições. Qual estratégia para vencer a esquerda nestas regiões? 
Demonstrar o que é discurso e o que é prática. Tínhamos, por parte do Haddad, uma fala muito forte sobre a educação, e aumentou, na gestão dele, o número de filas de crianças sem vaga de creche. No nosso governo, zeramos. Na saúde, o Haddad não abriu nenhum equipamento, nós abrimos dez novos hospitais, vinte UPAS.

Como disse o governador Rodrigo Garcia, tem os faladores e os fazedores. Aqui a gente está com um fazedor. E vamos ter muita coisa pra mostrar. É incomparável o que estamos fazendo com a gestão do PT.

Parte da população tem uma percepção de que a cidade está abandonada. Mais gente morando nas ruas, usuários de drogas espalhados depois das ações da Polícia na cracolândia. O que o senhor pretende fazer para atacar esses pontos?
O Haddad terminou seu mandato com 4 mil usuários na cracolândia. Hoje estamos variando de 900 a 1 mil pessoas. Temos feito um trabalho de abertura dos Caps (Centro de Atenção Psicossocial), inauguramos um SIAT (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica) e abrimos o hospital Cantareira, referenciado para fazer a internação de pessoas que são da cracolândia e querem se tratar. Agora, a cracolândia existe há 30 anos. Fizemos um estudo em cinco países, para entender como eles tratam esse assunto, e uma das questões principais era não deixar aquela aglomeração com a feira do crack e as organizações criminosas dominando. Estamos em um momento de transição em que a percepção é ruim, mas o resultado é bom. 

O senhor está empenhando em implementar a tarifa zero no transporte público antes das eleições de 2024. O estudo sobre a viabilidade da proposta já está pronto? Já conversou com o governador eleito sobre a ideia, já que há impacto nos trens e metrôs? 
Não sentei com o Tarcísio para discutir especificamente essa pauta, mas naquilo que conversamos superficialmente, ele disse que vê com simpatia. Nós vamos precisar nos aprofundar num outro estudo sobre a infraestrutura do sistema, além do estudo inicial. Eu não posso instituir a tarifa gratuita e o serviço piorar. Preciso que o serviço continue o mesmo ou melhore. A tarifa zero vai aumentar a quantidade de usuários, então preciso que os terminais estejam melhor equipados, preciso de mais corredores, mais ônibus. Vou ter que melhorar a infraestrutura. 

Vai ser possível fazer até 2024? 
Eu e minha equipe estamos empenhados em correr, só não vou tomar nenhuma atitude eleitoreira. Em algum momento, vou fazer o transporte gratuito, minha ideia é fazer em 2024. Mas além da infraestrutura, tem uma questão fundamental, que é o financiamento. O sistema custa R$ 10 bilhões. Arrecadamos R$ 5,2 bilhões de tarifas. A diferença, R$ 4,8 bilhões, é o subsídio. Uma das propostas é que o empregador, que paga o vale-transporte para o funcionário, passe a recolher para o fundo municipal de transporte. O valor seria menor para o empregador. Mas para fazer isso preciso de alteração da legislação federal. E é preciso ter alguma contribuição do governo federal e até do governo estadual. Estou me empenhando nessa discussão, já conversei com algumas pessoas do grupo de transição do presidente Lula, especificamente o deputado Jilmar Tatto.

Deram sinal verde? 
Ele tem muita simpatia e disse que entregou o tema para o grupo da transição que cuida do assunto, que também viram com simpatia a ideia. Agora, precisamos sentar e modular. 

Tarcísio quer privatizar a Sabesp. Qual o seu posicionamento? 
A prefeitura de São Paulo é contrária. 

Por quê? 
Temos o maior contrato da Sabesp. E 7,5% do faturamento da Sabesp deve ser direcionado para o fundo municipal de saneamento básico, outros 13% devem ser investidos em obras aqui na cidade. As obras do Rio Pinheiros, apesar de aparecer só o governo do estado, são parte de um contrato da prefeitura com a Sabesp. 

A prefeitura pode impedir? 
Não. Mas a prefeitura é o maior cliente da Sabesp. Se eu sou empresário, não consigo imaginar uma ação da minha empresa sem escutar meu maior cliente.

Comentários

Postar um comentário