É a democracia, no fim das contas

Bastidores da reunião de Lula com economistas e da decisão sobre militares mostram que o fundamental é a democracia

Lula 

Míriam Leitão - O Globo

O presidente Lula ao falar na sexta-feira que só começará a anunciar os nomes dos ministros depois da diplomação estava fazendo uma jogada estratégica. Espera diminuir a pressão e ganhar tempo. A economia é uma grande fonte de preocupação do presidente eleito, mas não é a única. No caso dos militares, ele tomou uma decisão bem no começo da disputa eleitoral. Havia conversas de emissários da campanha com alguns oficiais. Lula determinou que os contatos informais parassem. “Eu quero conversar com eles como comandante”, ou seja, depois de eleito. Lula avaliou que consultas informais aos militares confirmavam o desvio da politização das Forças Armadas, e davam a ele um papel que eles não têm. 

Ao fim da longa reunião da terça-feira que o presidente Lula teve com os economistas que participam da transição, ele brincou. “Eu só não anuncio logo o ministro da Fazenda porque, quando eu fizer isso vários de vocês vão embora.” O que impressionou os economistas foi como ele se dedicou à reunião. Pediu para cada um falar, não quis marcar tempo de fala. Fez perguntas. Ouviu. Ele chegou às nove, Fernando Haddad já estava lá desde cedo, Alckmin se atrasou porque estava com Hamilton Mourão. No fim da manhã, Lula convidou os economistas para almoçar e a conversa continuou.

Ficou claro durante esse encontro dos economistas da transição que o critério sobre o qual há mais consenso para a folga fiscal é o do gasto como proporção do PIB, que dá uma estabilidade, uma ideia de manutenção proporcional do gasto. As contas dos economistas da transição são feitas por um percentual do valor sobre o PIB do ano anterior. Ou seja, a despesa de Bolsonaro em 2022 foi 19% do PIB de 2021. Em 2023, seria 19% do PIB de 2022. Isso é que dá um espaço de R$ 135 bi a R$ 150 bi a mais do que está no orçamento.

Lula disse na coletiva de sexta-feira que sabe “toda a desgraceira” que vai encontrar. E o atual presidente ainda está criando mais problemas. Despesas contratadas das universidades não poderão ser pagas. Serviços executados não serão honrados. Passaportes não estão sendo emitidos. Tudo está parando. Bolsonaro tem nos brindado com o seu silêncio, o que é bom. Ouvimos barbaridades demais por quatro anos. Mas não tem o direito de salgar a terra antes de entregá-la ao sucessor. 

No mercado, e isso foi dito a Lula, os economistas fazem contas. E é natural que o façam, apesar de terem demonstrado nos últimos quatro anos uma preocupação fiscal seletiva. “Ele olha uma NTN-B pagando IPCA mais seis, o PIB crescendo a IPCA mais 2% e conclui que a dívida cresce mais que o PIB”, disse um economista da futura equipe. Por isso é preciso ter uma previsibilidade, uma trajetória crível da dívida. Os economistas falaram ao presidente sobre a necessidade de um novo “arcabouço” fiscal, melhor e mais eficiente do que o teto. 

Concluiu-se também que há espaço para redução de gastos. Um deles é o da maior focalização das despesas sociais. Lula ficou de falar publicamente sobre isso. Foi o que fez na sexta-feira, quando lembrou que o empresário dono de pizzaria e morador de Miami que hostilizou Gilberto Gil, recebeu Auxílio Brasil e que o empresário que negou cesta básica a uma eleitora sua também. São casos escandalosos que provam a falta de foco das políticas sociais de Bolsonaro. Outro tema mais difícil de tratar é o da volta dos impostos sobre gasolina e outros derivados. O temor é que isso eleve a inflação e os juros. Mas o subsídio ao combustível fóssil é ineficiente e injustificado. Se ele for retirado dará mais previsibilidade às contas públicas, ou seja, o efeito será positivo.

O equilíbrio da economia é importante não apenas pela economia. É pelo projeto como um todo. O senador eleito Flávio Dino disse, em entrevista para mim, que é preciso haver “a legitimação material da democracia”. 

– A democracia tem que ser o regime que se legitima pelos meios e pelos fins, pelo procedimento e pela capacidade de melhorar a vida do povo. A democracia precisa ser eficiente, ter resultados, para que possamos superar essa quadra tão triste que vivemos — disse o senador 

No fim das contas, é disso que se trata. O governo eleito precisa saber como lidar com a economia, com os militares, com as demandas sociais, com tudo, porque o que está em questão é a confirmação do valor da democracia que, nos últimos anos, esteve sob ataque.

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