O suingue discreto dos paulistas

O poeta traduz em verso uma terra que abriga uma Califórnia e um Texas


João Gabriel de Lima* - Estadão

As pesquisas do 1.º turno davam vitória a Lula e Alckmin em São Paulo, o maior colégio eleitoral do País. Abertas as urnas, Bolsonaro venceu por 1,8 milhão de votos no Estado – número que teria decidido o pleito em favor da coligação liderada pelo PT. Isso significa que a eleição só não se definiu no 1.º turno porque os paulistas “suingaram”, discretamente, para o lado de Bolsonaro.

“Swing state” é a gíria usada pelos americanos para definir os Estados que dão vitória ora aos republicanos, ora aos democratas. “Minas é o ‘swing state’ brasileiro por excelência, mas São Paulo tem tudo para ser decisivo nesta eleição”, diz o cientista político Carlos Melo, do Insper, entrevistado no minipodcast da semana.

Caetano Veloso escreveu que São Paulo “é como o mundo todo”. O poeta traduz em verso uma terra de múltiplas facetas – que, em sua “deselegância discreta”, abriga uma Califórnia e um Texas. Lula e Alckmin querem falar a esses dois públicos para virar o jogo no Estado.

A cidade de São Paulo é a Califórnia, celeiro de startups nas áreas financeira, de saúde e de educação. Na megalópole, Fernando Haddad teve mais votos no 1.º turno. O Texas é o interior, com seus rodeios, agronegócio e pesquisa agrícola de ponta. Alckmin é a cara do Texas paulista – e foi escalado para virar o jogo na região.

Os paulistas deram maioria ao PSDB em cinco das seis presidenciais que opuseram petistas a tucanos. Grande parte dos eleitores do Estado não se afina nem com a centro-esquerda de Lula e Alckmin nem com a direita radical de Bolsonaro. Não à toa, o melhor resultado de Simone Tebet no 1.º turno foi em São Paulo.

Para onde irá esse público? Tebet decidiu apoiar Lula, e uma pesquisa do Ipespe mostrou que a maior parte de seus eleitores a acompanhou. Em entrevista ao programa Café Brasil, da Rádio Observador de Lisboa, a economista Elena Landau, coordenadora do programa de Tebet, justificou o apoio a Lula. Landau citou a identidade programática na área ambiental e a defesa da democracia.

A direita liberal se assusta quando Bolsonaro defende ideias que podem “carcomer a democracia”, para usar expressão cunhada pelo Estadão em editorial. É o caso da proposta para mudar a composição do Supremo, recurso usado por Hugo Chávez na Venezuela.

Invocando razões semelhantes, ícones do tucanismo de São Paulo, como Fernando Henrique, José Serra e Aloysio Nunes, declararam voto em Lula e Alckmin. Se o time de Bolsonaro seguir com ideias radicais, os desconfiados paulistas podem, discretamente, repetir o suingue – desta vez, no entanto, para o outro lado.

*João Gabriel de Lima
Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa

Comentários