"Eleição: data sagrada para nossa democracia", artigo de José Serra

Comparecer às urnas não significa aprovar os candidatos em disputa, mas legitimar a instituição do voto popular

Senador José Serra

O Estado de S.Paulo 

Faltam três dias para a eleição, uma data sagrada para nossa democracia. É o momento decisivo para o exercício da soberania popular, pois o poder democrático está em jogo nas mãos dos cidadãos. A gravidade do ato de confirmar seu voto na urna eletrônica significa que o eleitor confere ao seu representante, e especialmente ao chefe do Executivo federal, o arbítrio para tomar decisões que afetam não somente a vida de cada um, mas, sobretudo, a sobrevivência do País enquanto nação livre e soberana. 

A crise da democracia representativa, que se manifesta na perda da confiança dos cidadãos em seus representantes, provocou um profundo ressentimento em várias partes do mundo. O sentimento de desamparo, diante de uma representação política vista como cega e surda a suas demandas mais urgentes, propicia comportamentos incompatíveis com a expressão de um voto livre e consciente. 

Um deles é o voto de protesto, deliberadamente conferindo algum símbolo de menosprezo pelas instituições democráticas, como animais e palhaços que infestaram eleições no Brasil e em países europeus de democracia consolidada. Esse gesto manifesta a ideia de que “este homem é louco, e só um louco é capaz de resolver todos os problemas do país”, e grassou em grande número de votantes nas eleições de 2018. 

Todos têm direito a protestar e existem várias formas mais eficazes de fazê-lo, desde abaixo-assinados até manifestações de rua, portanto não é razoável jogar seu voto fora em quem não o merece. Conquistar o exercício do voto demandou uma luta mais do que centenária, que nos permitiu votar protegidos pelo segredo da cabine e garantidos pela segurança da urna eletrônica. Os meios para fraudar o voto secreto foram muitos no passado, desde o envelope fechado entregue pelo cabo eleitoral ao eleitor até a adulteração das cédulas únicas de papel, facilmente anuladas ou alteradas durante a apuração. 

A suspeição lançada contra a urna eletrônica, tentativa de eliminá-la, reintroduzindo o voto em papel, é o mais recente ataque ao voto secreto e à transparência do processo eleitoral. Os inimigos do voto popular têm empregado, ao longo do tempo, inúmeras medidas que dificultam o acesso dos eleitores às urnas e às informações a que cada um tem direito para decidir livremente. 

A redução do período de campanha legal, a verdadeira criminalização do ato de pedir votos, bem como algumas regras burocráticas regendo debates e entrevistas são artimanhas que permitem a algumas candidaturas esconderem suas propostas, suas verdadeiras convicções e seu legado público, e fazem parte desta guerra de desorientação do eleitor. As propostas de coibir a divulgação de pesquisas no período próximo ao pleito, independentemente de sua confiabilidade, deram lugar a outras, de simplesmente eliminar essa forma de informação do público e, mesmo, de criminalizá-las pura e simplesmente. 

O voto secreto é uma grande conquista de todos nós e devemos defendê-lo de todos os assédios às nossas liberdades. Infelizmente, uma polarização artificial tem sido imposta por uma campanha que incute o medo e o ódio como tática para anular nossas liberdades de escolha. Minha posição neste pleito já se tornou pública. Contudo, oponho-me à nefasta pressão pública e privada para que personalidades não comprometidas com nenhuma das candidaturas declarem seu voto, constrangidas para não passar por traidoras e pelo medo da derrocada da liberdade supostamente provocada pelo resultado das urnas. 

Reitero, o voto é secreto, e o voto secreto é a mais pura expressão da liberdade política. Protegido por esse caráter secreto, o voto não é certo nem errado, não expressa uma verdade, mas sim a liberdade de opinião e o cumprimento de um dever sobre o qual se sustenta a democracia que queremos. 

Não há por que você se envergonhar de sua escolha, não há por que se curvar às pressões dos que, não sendo capazes de convencê-lo, lançam mão de ameaças e ofensas. Votar por rejeição em quem não se confia, para evitar mal maior, não é uma escolha livre, mas é inteiramente legítimo, como é legítimo votar em branco ou nulo. 

Entretanto, devemos levar em consideração que nossa legislação elimina da contagem os votos brancos e nulos e a abstenção. Assim sendo, nas eleições majoritárias, como no caso da do presidente da República, o candidato eleito não precisa alcançar a maioria dos cidadãos, mas apenas a maioria dos que votam em um candidato. 

Uma abstenção em massa teoricamente diminui a legitimidade do eleito, mas, por outro lado, legitima a eleição de quem não obteve a confiança da maioria do eleitorado. Desconfie da campanha aparentemente em curso em prefeituras que se recusam a dar passe livre no dia da eleição, para provocar a abstenção em massa, dificultando o comparecimento dos eleitores do adversário. 

Comparecer não significa aprovar os candidatos em disputa, mas legitimar a instituição do voto popular. Compareça, vote com liberdade, vote consciente. Esse é o modo mais efetivo de defender a democracia.

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