Geraldo Alckmin ganha força na campanha ao articular com grupos resistentes a Lula

O ex-tucano apresenta-se como 'copiloto' do petista e dá garantias de que o eventual governo será pacificador, de centro e responsável

Geraldo Alckmin 

Sérgio Quintella - Veja

Passados quatro meses do lançamento do surpreendente acordo que o alçou à posição de vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin virou um dos alvos prediletos das hordas digitais dversárias. Há alguns dias, o senador Flávio Bolsonaro, o filho Zero Um do presidente, tirou do baú um vídeo de 2018 no qual o ex-tucano critica duramente o petista. “Depois de quebrar o país, Lula disse que quer voltar ao poder, ou seja, ele quer voltar à cena do crime”, discursou na ocasião o ex-governador paulista. No domingo 28, foi a vez de o próprio Jair Bolsonaro, no final do debate entre os presidenciáveis da Band, bater na aliança, acrescentando à crítica uma pitada de fake news. “O que vai acontecer com o nosso Brasil se esse ex-­presidiário voltar para a cena do crime juntamente com Geraldo Alckmin, um homem religioso, católico, mas que resolveu cantar a Internacional Socialista”, afirmou. Alck­min, que acompanhou o evento nos bastidores, ironizou o ataque. “Eu nem sei a letra dessa música, é alguma do The Voice?”, divertiu-se, mencionando o programa de calouros da Rede Globo.

A escalada de ataques vem sendo ignorada pelo ex-tucano e coincide com o aumento do protagonismo de Alckmin na campanha de Lula. Em entrevista recente ao Jornal Nacional, o petista falou dez vezes o nome do companheiro de chapa, mais do que Bolsonaro fez em 2018, no mesmo telejornal, com Paulo Guedes, seu fiador econômico na época. “Fui escolher o Alckmin de vice para juntar duas grandes experiências: um cara que foi governador de São Paulo catorze anos, e vice seis anos, e o cara que foi considerado o melhor presidente da história do Brasil”, falou Lula. Três dias depois, no debate da Band, o petista voltou a citá-lo em termos semelhantes. Desde o momento em que começou a ser construída a aliança entre os dois, algo que parecia impossível, ambos não cansam de responder a pergunta sobre como antigos rivais podem andar de mãos dadas. “Éramos felizes na época em que havia disputa ente o PT e o PSDB, eram tempos muito mais civilizados”, costuma dizer Lula. Para Alckmin, as disputas do passado são menos importantes que as necessidades do futuro. “Quando Lula me estendeu a mão, senti um chamado à razão”, contou ele a uma pessoa próxima. “Temos o dever de nos unir, de lutar e de vencer.” 

Embora uma parte das pessoas ainda veja com enorme ceticismo essas declarações e elogios mútuos (com uma certa dose de razão, aliás), há sinais de que a aliança concebida para aproximar Lula do eleitorado de centro pode se mostrar uma aposta acertada. Segundo as pesquisas, Alckmin trouxe à campanha petista atributos importantes para a construção de uma narrativa de união democrática. Um levantamento feito pela Quaest perguntou a eleitores indecisos qual a palavra que melhor descreve a chapa entre o ex-presidente e o ex-governador. “Moderação” foi a mais citada, com 89% das respostas, seguida por “política” (88%), “união” (64%) e “grandeza” (54%). Atributos negativos foram os menos citados: “sacanagem” (41%) e “traição” (39%). Outro levantamento, feito ainda no período pré-eleitoral pela FSB Pesquisa, em abril, mostrou que 46% dos eleitores afirmam que Alckmin “não faz diferença” no desejo de votar em Lula. Por outro lado, 23% responderam que o ex-tucano aumenta a propensão a voto no petista, número que passa a 28% entre eleitores de outros candidatos e foi de 19% entre os indecisos. 

Aproveitar todo o potencial trazido pelo recall da imagem positiva de Alck­min tem sido um dos desafios da campanha. Depois de fechada a improvável aliança, Alckmin, como é típico de seu estilo, tem feito o papel de aluno aplicado no cumprimento das missões que foram entregues a ele. Uma das prioridades são encontros com empresários. Nas últimas semanas, ele esteve com representantes da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV). O candidato a vice também foi escalado por Lula para atuar no diálogo com líderes do agronegócio ao lado de algumas referências do setor no Centro-Oeste, como o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), o deputado federal Neri Geller (PP-­MT) e os empresários Blairo Maggi e Carlos Ernesto Augustin. Nessas reuniões, Alckmin tem repetido uma espécie de mantra. Apresenta-se como “copiloto de Lula” e dá garantias de que o eventual governo será pacificador, de centro e responsável, respaldado nas gestões estaduais do ex-governador. “Alckmin transformou São Paulo em referência no avanço da iniciativa privada. Acredito que a sua presença atenua a cartilha do PT que conhecemos no que diz respeito à economia”, afirma Venilton Tadini, presidente da Abdib.


arte Alckmin


Nos últimos dias, diante da proximidade do pleito e do favoritismo de Lula, a pressão para aprofundar as propostas de um futuro governo do PT aumentou — e Alckmin tem sido muito questionado a respeito de detalhes do plano econômico. Em resposta, o ex-­tucano tem dito que o eventual novo governo petista tentará implementar as principais reformas nos primeiros seis meses, especialmente aquelas que demandam Propostas de Emenda à Constituição. “Acredito que vamos rapidamente aprovar reforma tributária e ela pode impulsionar o PIB, ela simplifica. Pega os impostos e junta todos no IVA (imposto sobre valor agregado), como o mundo todo faz”, afirmou em encontro recente. No capítulo privatizações, descarta vendas de Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Garante ainda que a haverá responsabilidade fiscal, sem dizer, no entanto, o que virá no lugar do atual teto de gastos, que considera “furado”. “São Paulo nunca teve teto de gastos e é um exemplo de responsabilidade fiscal. Qual o problema de ficar engessando as coisas? Quem vai sofrer é investimento”, limitou-se a dizer no encontro na Abdib. 

Outra pergunta inevitável do mercado é sobre quem comandará a economia na hipótese da volta de Lula ao Palácio do Planalto (o próprio Alckmin é um dos cotados). Não há ainda resposta para isso e, a despeito de algumas críticas (uma frustração de parte dos empresários é que, em vez de trazer Lula mais para o centro, é Alckmin que estaria indo mais para a esquerda, com encontros com sindicalistas e integrantes do MST, por exemplo), o ex-governador sai animado das reuniões. “Existe convergência no diagnóstico e nas propostas sobre reforma tributária, investimentos em infraestrutura, reposicionamento do Brasil no mundo e na política de inovação”, afirmou ele ao Radar Econômico, de VEJA.

Ao mesmo tempo que tem a missão de acalmar o mercado e abrir caminhos na missão presidencial, Alckmin se empenha em levar Fernando Haddad ao Palácio dos Bandeirantes. O ex-prefeito paulistano, inclusive, foi um dos responsáveis pela união do ex-tu­cano com o Lula, em um gesto que tirou Geraldo Alckmin do pleito estadual de São Paulo (ele liderava as pesquisas), assim como Márcio França (PSB), que hoje é o primeiro na corrida pelo Senado, dentro da chapa petista. Na próxima semana, o trio Haddad-França-Alckmin vai rodar o interior de São Paulo, em cidades como Bauru, Assis e Marília. O périplo quase ficou de fora do radar de Alckmin, que estava escalado para acompanhar Lula em uma viagem de cinco dias ao Nordeste. Após mudança na estratégia das campanhas, ficou decidido que será melhor Alckmin seguir com a empreitada estadual em uma área de vasto conhecimento do ex-governador do que acompanhar o ex-­presidente em uma região em que ele tem amplo domínio nas pesquisas. 

Há indícios de que a influência de Alckmin junto ao eleitorado do interior paulista, considerado mais conservador e altamente refratário ao petismo, já pode estar surtindo efeito. Segundo levantamento do Ipec divulgado na segunda 29, nessa região do eleitorado Lula está empatado com Bolsonaro dentro da margem de erro (35% a 37%). Haddad também lidera por ali, cravando 27%, contra 21% do segundo colocado, o ex-ministro bolsonarista Tarcísio de Freitas. Desde 2002 o partido não vence no interior paulista.

A princípio rejeitado pelos novos companheiros de esquerda, Alckmin reverteu a situação gra.ças à sua experiência política e ao apoio de Lula. Um momento importante da virada ocorreu em 7 de maio, por ocasião do lançamento da chapa. Alckmin estava com Covid e gravou um vídeo com um discurso considerado eficaz para vencer as resistências: “Presidente Lula, mesmo que muitos discordem da sua opinião de que Lula é um prato que cai bem com chuchu, o que acredito venha ainda a se tornar um hit da culinária brasileira, quero lhe dizer, perante toda a sociedade brasileira: muito obrigado. Serei um parceiro leal”. A fala teve endereço certo: as alas dos partidos aliados que torceram o nariz para a sua chegada. Em janeiro, um abaixo-­assinado subscrito por figuras históricas do PT, como José Genoino e Rui Falcão, se manifestou contrário ao acordo. No documento, Alckmin foi descrito como um agente que “apoiou publicamente toda a operação golpista e neoliberal” que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 . Esse tipo de crítica, no entanto, não tem mais eco na campanha. Outra imagem emblemática dessa integração é a presença ativa na campanha da mulher do ex-tucano, Lu Alckmin, que também se aproximou bastante nos últimos meses da socióloga Janja, a candidata a primeira-dama. . “O Alckmin simboliza a capacidade do PT de ampliar alianças políticas e de dialogar com mais setores da sociedade, inclusive com políticos do PSDB”, afirma Edinho Silva, coordenador de comunicação da campanha de Lula. 

É justamente nesse último ponto destacado que Alckmin atua silenciosamente. Além dos tucanos da velha guarda com quem mantém contato, ele conversou recentemente mais de uma vez por telefone com o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, candidato do PSDB ao comando do Rio Grande do Sul (Leite negou a VEJA ter falado com o candidato a vice de Lula). No cardápio, além de assuntos atuais, possíveis alianças em um eventual segundo turno. Apesar das chances cada vez menores de vitória no primeiro turno devido ao crescimento das candidaturas de terceira via de Ciro Gomes e de Simone Tebet, Alckmin é tido como um elemento capaz de ajudar Lula a liquidar a fatura já no dia 2 de outubro. 

O protagonismo atual do ex-governador representa um impressionante caso de ressuscitação política. Quatro anos depois de obter menos de 5% dos votos válidos na eleição presidencial e de perder espaço no partido que ajudou a fundar, ele virou uma espécie de segunda versão da célebre Carta ao Povo Brasileiro, lançada em 2002 para acalmar os mercados diante da iminente vitória do petista. No último mês da campanha atual, o ex-­tucano vai pedir votos em locais como o sul de Minas, região que faz divisa com São Paulo e que conhece bem algumas vitrines tucanas, como as rodovias. Uma reviravolta e tanto para o experiente político, que, até poucos meses atrás, despachava com parcos aliados em uma padaria próxima de sua casa, no Morumbi, em São Paulo. Agora, diante do atual favoritismo da chapa, parece a um passo do Palácio do Jaburu, a residência oficial dos vices brasileiros.

Com reportagem de Diogo Magri, João Pedroso de Campos e Victor Irajá

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