Posse no TSE completa ato da USP na defesa da democracia

Nunca um elenco tão representativo do establishment se reuniu para se contrapor a um presidente da República


Havia uma enorme expectativa quanto à posse de Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral pelo caráter de "último capítulo de novela" da reunião de Jair Bolsonaro e Lula, Michel Temer e Dilma Rousseff e tantos outros personagens principais da História recente do país. Mas o que se viu foi muito mais que isso: foi uma inédita contraposição do establishment institucional aos atos e ações de um presidente da República, que, não por acaso, estava na mesa principal da solenidade.

Não foi só o discurso de Alexandre de Moraes que foi duríssimo e não deixou margem para nenhuma especulação, desde sempre esfarrapada, de que haveria algum "acordo" possível com ele para "aceitar sugestões" das Forças Armadas para o "aprimoramento" do processo eleitoral, como os bolsonaristas tentam emplacar, com certo sucesso, há semanas.

Todo o cerimonial, todos os discursos, a distribuição dos convites, as presenças, tudo foi arquitetado para evidenciar o aval pleno dos demais Poderes, do Ministério Público, dos partidos, dos candidatos, dos governadores, de prefeitos, do Judiciário como um todo, da OAB e dos antecessores de Bolsonaro no cargo às urnas eletrônicas.

Desde a biografia edulcorada de "Xandão" lida em tons épicos pelo colega Mauro Campbell, passando pela leitura deliberadamente pausada de embaixada por embaixada cujos representantes estavam presentes, até a rasgação de seda entre Moraes e Edson Fachin, até o ápice, no discurso do novo presidente da corte, tudo foi recado. E recado duro e inédito.

Bolsonaro não escondia o constrangimento em seu semblante, como nunca esconde. Na despedida de Moraes, ele chegou a cochichar algo em seu ouvido. Nos momentos de longos e efusivos aplausos, alguns deles com os presentes de pé, Bolsonaro, cujas mãos estavam mais para baixo, bateu palmas de forma tímida, e logo parou. Ele foi colocado frente a frente a Lula, seu principal adversário, e a Dilma Rousseff. Não foram poucas as cenas históricas desta terça-feira.

O presidente foi aconselhado a comparecer ao TSE, depois de ignorar convite da mesma natureza de Fachin, veio do entorno que quer vender esse peixe de um Bolsonaro mais disposto a se moderar. Na minha coluna no GLOBO de amanhã falo das consequências possíveis desse ato cujos efeitos ainda estão por ecoar por dias ou semanas.

O discurso de Moraes foi duríssimo. Fez alusão a um passado que chamou de nefasto do voto em papel, em que fraudes eram corriqueiras. Disse que o sistema eletrônico, que permite a apuração de votos no mesmo dia, é motivo de orgulho nacional, contraditou a ideia-guia do bolsonarismo de que a "liberdade de expressão" justifica tudo e afirmou em alto e bom som que não se aceitará retrocessos na democracia.

Moraes não fez nenhuma mesura aos militares em sua fala. Os oradores que o antecederam, inclusive Augusto Araes, teceram loas à modernidade e ao profissionalismo da Justiça Eleitoral, e nem uma palavra, nem da parte deles, de qualquer "contribuição" dos militares ao processo. Recado: militares não têm nada a ver com eleições, não são personagens nesse enredo.

A posse do TSE, algo que seria absolutamente corriqueiro, aborrecido, sem comparecimento nem cobertura não fosse a anomalia introduzida por Bolsonaro no processo eleitoral, foi a continuidade natural e importante ao ato na USP em defesa da democracia, em que foram lidos os dois manifestos. E os dois atos são a antítese e o antídoto do establishment e da sociedade civil aos arroubos golpistas do presidente da República.

Se até aqui as instituições foram tímidas em conter Bolsonaro, condescendendo até com aquela cerimônia ilegal com embaixadores, desta vez não restou dúvida alguma: qualquer tentativa de ruptura institucional encontrará uma muralha sobre a qual não avançará.

O recado é para Bolsonaro, mas também e principalmente para os militares: que eles não se deixem seduzir pelo canto da Sereia do presidente, um capitão reformado do Exército que saiu da corporação por promover as mesmas insurreições que incentiva agora.

O presidente dificilmente desistirá. O próximo ato importante deverá ser o Sete de Setembro. Aguardemos.

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