Nem a merenda escapa

Ao vetar reajuste da complementação federal à alimentação escolar na rede pública, alegando restrições fiscais, Bolsonaro amplia o desastroso legado de seu governo na educação


O Estado de S.Paulo

A insensibilidade do presidente Jair Bolsonaro em relação à educação não é novidade. Ainda assim, é sempre chocante constatar cada nova demonstração de desapreço do governo federal pela área educacional. Foi o que ocorreu há alguns dias, quando o presidente vetou o reajuste dos valores que o Ministério da Educação (MEC) transfere a Estados e municípios para o custeio da merenda escolar. Isso mesmo: em tempos de fome e insegurança alimentar em alta, Bolsonaro não titubeou ao impedir a atualização dos repasses destinados para servir alimentação a 38 milhões de estudantes da rede pública de ensino básico em todo o País.

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O reajuste, que poderia superar 30%, estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, aprovada pelo Congresso. Em boa hora, deputados e senadores incluíram a previsão de reposição das perdas inflacionárias desde 2017 − ano em que os repasses para a compra de merenda foram corrigidos pela última vez, no governo do então presidente Michel Temer. Como se sabe, a LDO orienta a elaboração do Orçamento do ano seguinte. E a reposição se daria pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), algo mais do que necessário em meio à escalada de preços dos alimentos. No que depender de Bolsonaro, porém, isso não ocorrerá.

A justificativa para o veto não só reitera a desimportância da educação sob Bolsonaro, como também explicita o completo despudor com que o presidente submete as contas públicas do País a seus interesses eleitorais. Ao vetar o reajuste, Bolsonaro evocou a existência do teto de gastos, argumentando que destinar mais recursos para a merenda “contraria o interesse público”, pois “poderia inviabilizar, parcial ou integralmente, outras políticas públicas igualmente relevantes”.

Ora, o atual governo não viu problema em atropelar o teto de gastos para elevar, às pressas, o Auxílio Brasil, de olho no voto da parcela mais pobre da população, bem como para criar benefícios em dinheiro para taxistas e caminhoneiros, categorias em que a reeleição do presidente encontra apoio. Ou seja, quando é do interesse eleitoral de Bolsonaro, o governo ignora o teto de gastos. Já na hora de reajustar a merenda, o teto serve de justificativa para o veto.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) foi construído ao longo de décadas e é um importante contraponto às desigualdades regionais. Por lei, as verbas transferidas a Estados e municípios têm caráter suplementar, isto é, devem somar-se aos recursos aplicados pelas próprias redes estaduais e municipais. Na realidade dos 5.568 municípios brasileiros, porém, o repasse federal tem pesos diferentes. Isso acaba sendo não só um fator de equidade, como, em muitos casos, a garantia de que haverá merenda nas escolas, além de proporcionar alimentação saudável, já que 30% dos recursos federais devem ser aplicados na compra de produtos da agricultura familiar − o que também fomenta as economias locais.

Os repasses são calculados com base no número de estudantes: prefeituras e governos estaduais recebem, a cada dia letivo, apenas R$ 0,36 por estudante de ensino fundamental e médio (nas creches e nas escolas de ensino integral, o valor alcança o teto de R$ 1,07). Considerando que a tabela foi reajustada pela última vez em 2017, é notório que houve significativa perda do poder de compra − e fará bem o Congresso se derrubar o veto de Bolsonaro.

Em meio ao desastroso legado do atual governo, a educação, infelizmente, desponta como uma das áreas que mais prejuízos sofreram e que mais tempo levará para ser recuperada. O desprezo de Bolsonaro pela educação evidenciou-se tanto naquilo que fez, como nas sucessivas escolhas erradas de nomes para comandar o MEC, quanto no que deixou de fazer − a omissão do governo federal durante a suspensão das aulas presenciais na pandemia é imperdoável. Com o veto ao reajuste de repasses para a merenda, algo que passaria a vigorar em 2023, o presidente se superou, impedindo que se faça a coisa certa até mesmo depois de seu atual mandato.

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