Debate evidencia limite de Bolsonaro no público feminino

Agressão gratuita a jornalista tirou dele a vantagem obtida quando Lula derrapou falando de corrupção 

O presidente Jair Bolsonaro (PL)

O GLOBO

O primeiro debate entre os presidenciáveis na noite de domingo deixou claros os limites dos dois líderes nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula teve dificuldades para dar explicações convincentes sobre os escândalos de corrupção nos governos petistas. Quanto a Bolsonaro, desferiu um ataque gratuito e abjeto à jornalista Vera Magalhães, colunista do GLOBO e âncora do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que na certa lhe cobrará um preço num público decisivo nesta eleição: o eleitorado feminino. 

Desde o início do debate, promovido por um pool de veículos de imprensa liderado pela Band, Lula tentou desviar do tema mais incômodo para sua campanha, os escândalos na Petrobras. Em resposta à primeira pergunta, feita por Bolsonaro, reivindicou para o próprio governo leis de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro aprovadas antes ou depois de sua gestão, para logo em seguida mudar de assunto e elencar conquistas sociais que atribuiu às gestões petistas. Como sempre faz quando o tema vem à baila, driblou a questão. A hesitação permitiu a Bolsonaro reivindicar a paternidade do Auxílio Brasil — de valor, segundo ele, maior que programas sociais do PT — e deixou-o em vantagem. Não durou muito.

Bolsonaro foi pouco depois instado por Vera a comentar uma pergunta ao candidato Ciro Gomes (PDT) a respeito da desinformação sobre vacinas que espalhou na pandemia. Em vez de responder, agrediu com acusações descabidas quem perguntava. Dificilmente teria a mesma atitude se estivesse diante do questionamento de um homem.

O comportamento machista de Bolsonaro foi atacado nas redes sociais e voltou ao foco no debate. “Quando homens são ‘tchutchuca’ com outros homens, mas vêm para cima da gente como tigrão, eu fico extremamente incomodada”, afirmou a candidata Soraya Thronicke (União Brasil). “Quero dizer ao presidente que fabrica fake news e diz inverdades: não tenho medo de você, dos seus robôs ou dos seus ministros”, disse a também candidata Simone Tebet (MDB). Bolsonaro tentou consertar, citou políticas de seu governo em favor das mulheres, desculpou-se por uma declaração desastrada sobre a única filha (a que chamara de “fraquejada”) — mas de nada adiantou. Por mais que tentasse se emendar, o que dizia soava artificial, quando o machismo trouxe de volta a autenticidade rústica que o projetou à vitória em 2018.

A campanha de Bolsonaro tem tentado ampliar sua votação entre as mulheres de todas as formas, lançando mão até da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Os 82,4 milhões de eleitoras, 53% do total, são um dos grupos demográficos em que Bolsonaro enfrenta maior rejeição e mais dificuldade para alcançar Lula. Mais de metade das mulheres afirma que não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum. A distância dele para Lula no segmento chega a 20 pontos percentuais, ante menos de 15 no eleitorado como um todo.

As próximas pesquisas dirão se sua estratégia para o público feminino convenceu e se alguma outra candidata ou candidato se projetará depois do debate. Por ora, o fundamental é registrar um desagravo em solidariedade a Vera e a todas as demais profissionais agredidas na cobertura da campanha apenas em razão de sua condição feminina. É simplesmente inaceitável que o presidente da República se comporte assim.

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