Carta pela democracia atinge 1 milhão de assinaturas em dia de ato

Manifesto alcança marca horas após ser lido na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


A "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros pela defesa do Estado Democrático de Direito" alcançou a marca de 1 milhão de signatários na noite desta quinta-feira (11), dia em que o documento foi lido na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, instituição que encabeçou o manifesto pela democracia.

​Aberto ao público em 26 de julho, o documento começou com a assinatura de 3.000 pessoas, entre empresários, juristas, artistas e diversas outras personalidades. A carta, embora não cite Jair Bolsonaro (PL), faz uma defesa enfática do respeito à democracia e às eleições, ameaçadas pelo atual presidente.

A forte adesão ao manifesto impulsionou a organização de centenas de atos em todo o Brasil, e parte das manifestações foi marcada para ocorrer de forma simultânea à leitura do documento na Faculdade de Direito da USP.

A carta de 2022 é inspirada na "Carta aos Brasileiros" e no ato público realizado em agosto de 1977, também na Faculdade de Direito da USP, que pautaram a luta pela democracia no Brasil dali até 1985.

Há 45 anos, o orador foi o professor Goffredo da Silva Telles Jr (1915-2009), que fez a leitura do documento em meio às arcadas da faculdade, uma sequência de arcos assentados em colunas espessas. Pela sua localização no prédio, tornou-se um dos pontos preferidos para grandes eventos.

Em plena ditadura militar, os organizadores acharam por bem antecipar o ato para o dia 8 de agosto, em vez de fazê-lo no dia 11. Assim, garantiam que a semana da celebração da criação dos cursos jurídicos no país fosse pautada por aquele manifesto e evitavam competir com a comemoração oficial.


Leia a íntegra da carta

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o País sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.​

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!

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