Bolsonaro usou informações falsas sobre processo eleitoral em reunião com embaixadores estrangeiros

Estadão analisou as alegações feitas pelo presidente ao atacar legitimidade das urnas eletrônicas e do Tribunal Superior Eleitoral


Clarissa Pacheco, Denise Chrispim Marin, Pedro Prata, Samuel Lima e Victor Pinheiro - Estadão

Em encontro com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada nesta segunda-feira, 18, o presidente Jair Bolsonaro divulgou informações falsas ao dizer que não seria o TSE quem faz a totalização dos votos e que urnas eletrônicas sem impressão do voto são usadas apenas em dois países além do Brasil.

Bolsonaro também apresentou de forma descontextualizada algumas informações sobre o inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral, em 2018. Este foi o mesmo inquérito vazado por ele em suas redes sociais, em 2021, e que acabou resultando em uma investigação para apurar se ele teria cometido crime por divulgação de documento sigiloso.


Confira abaixo a checagem:

O que disse Jair Bolsonaro: que o TSE teria admitido para a Polícia Federal que hackers poderiam alterar nomes de candidatos, tirar votos de um candidato e passar para outros.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não há no inquérito da Polícia Federal sobre o ataque hacker nenhuma informação sobre transferência de votos de um candidato para outro. O TSE disse em nota que “nunca emitiu tal informação”.

Ao solicitar à PF a abertura do inquérito, o então secretário de tecnologia da informação Giuspeppe Dutra Janino alegou que um hacker teve acesso às senhas de totalização de uma eleição suplementar em Aperibé (RJ). Ao dizer que a invasão poderia afetar exclusivamente este pleito, explicou que ele poderia “alterar dados de partidos e candidatos (até mesmo com a sua exclusão)”, sem mencionar os votos.

O TSE considera que há risco de ataque de hackers no dia da eleição. Mas mantém sua avaliação de que, como as urnas eletrônicas jamais entram em rede e não têm nenhuma conexão com a internet, não são passíveis de acesso remoto, o que “impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração”. Essa posição foi expressa em 2021, em nota na qual o Tribunal avaliou como falsa a notícia de que um hacker desviou 12 milhões de votos da urna eletrônica durante as eleições de 2018. O tribunal afirmou, na ocasião, que “quem conhece um pouco do sistema eleitoral do Brasil sabe que a urna eletrônica não adiciona, não subtrai nem transfere votos de um candidato para outro”. Em 13 de julho, o TCU concluiu auditoria no sistema eleitoral. Afirmou ser seguro.


O que disse Bolsonaro: que há dezenas de vídeos que mostram que, nas eleições de 2018, “o eleitor apertava o 7, aparecia o 3 e ia para outro candidato”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é insustentável. Bolsonaro não dá detalhes sobre os vídeos mencionados, mas não há registro de fontes confiáveis de que tal problema teria ocorrido nas eleições 2018. O Estadão Verifica desmentiu um vídeo com boato semelhante que afirmava que urnas eletrônicas completavam o voto automaticamente em favor do candidato Fernando Haddad. Uma perícia do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) concluiu que o conteúdo foi editado e que duas pessoas pressionavam as teclas um e três simultaneamente.

Confira a checagem de outros vídeos semelhantes sobre urnas eletrônicas.


O que disse Jair Bolsonaro: que não é o Tribunal Superior Eleitoral que conta os votos, e sim uma empresa terceirizada.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Um trecho de uma entrevista coletiva do TSE no primeiro turno das eleições municipais de 2020 vem senso tirado de contexto para sugerir que os votos vão para “a nuvem” e que a apuração é feita por uma empresa terceirizada, e não pelo próprio TSE.

No vídeo original, o repórter André Shalders, que trabalhava na BBC em 2020, perguntou durante a entrevista coletiva ao ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, se havia possibilidade de o resultado da eleição ser divulgado ainda no dia 15 de novembro de 2020. Isso porque uma falha em um dos processadores do supercomputador do Tribunal havia provocado uma lentidão na totalização dos votos. Em seguida, Shalders perguntou quem fazia a manutenção no supercomputador: se a própria equipe do TSE ou uma empresa terceirizada.

A resposta foi dada por Giuseppe Janino, secretário de Tecnologia da Informação do TSE, que disse: “Esse computador é instalado por meio de um serviço, ele faz justamente esse papel de nuvem computacional. Ou seja, é um supercomputador que é contratado por uma empresa, no caso é a Oracle. Ela instala esse computador e mantém ele em funcionamento. É um serviço, justamente, não é uma aquisição. Portanto, a manutenção, a conservação, o suporte, o bom funcionamento do equipamento é de responsabilidade da empresa”.

Nuvem computacional nada mais é do que o fornecimento de serviços de computação através da internet. Isso não significa que os votos dos brasileiros “vão para a nuvem”, nem que eles são apurados por uma empresa terceirizada. Na verdade, eles são armazenados em dois supercomputadores que ficam na sala-cofre do TSE em Brasília (DF), como informou o TSE em nota de esclarecimento sobre o assunto.


O que disse Jair Bolsonaro: que a votação de maneira digital e sem impressão do voto é usada em apenas dois países do mundo, além do Brasil.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) mostram que ao menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição (seja nacional, regional ou para escolha de dirigentes sindicais). Não há registro de que países “abandonaram rapidamente” as urnas eletrônicas, como afirma Bolsonaro. Na Alemanha, elas deixaram de ser usadas em 2009 por serem consideradas inconstitucionais.

O presidente usou uma manchete da Folha de S.Paulo que diz que, além do Brasil, apenas Butão e Bagladesh usam urnas que não imprimem o voto, mas omitiu que a reportagem trata apenas de eleições nacionais. Parte da França e dos Estados Unidos usam urnas eletrônicas em seus processos de votação que não imprimem um comprovante.

De acordo com o TSE, não há registros de fraude nas eleições brasileiras desde que as urnas eletrônicas foram implantadas, em 1996.


O que disse Jair Bolsonaro: que observadores internacionais não têm o que fazer no Brasil porque a contagem de votos não é pública.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A presença de observadores internacionais não se resume ao processo da contagem de votos. Em entrevista ao Estadão, a coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Cláudia Santano, explicou que as organizações convidadas para monitorar as eleições analisam a integridade dos procedimentos de administração, organização e desenvolvimento do pleito.

“Missões de longo prazo podem chegar ao país meses antes para acompanhar organização das urnas, convenções partidárias, propaganda, financiamento, violência política, comportamento de redes, dinâmica dos atores políticos, o dia da votação, atuação dos mesários, totalização e apuração dos votos”, explicou Santano.

A presença de missões de observadores internacionais não é novidade. Enviados especiais estiveram no Brasil pelo menos desde 2010.


O que disse Bolsonaro: “Um hacker falou que teve acesso a tudo dentro do TSE. Teve acesso aos milhares de códigos-fontes. Teve acesso a uma senha de um ministro do TSE.”

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: Falta contexto. O presidente Jair Bolsonaro se refere a um ataque hacker ao TSE ocorrido em 2018, mas o tribunal afirma que a invasão não comprometeu a integridade do sistema eleitoral brasileiro. Códigos fontes são os conjuntos básicos de instruções que regem o funcionamento de um programa eletrônico. Segundo o tribunal, o acesso indevido do hacker a esses códigos não seria suficiente para colocar a integridade do sistema eleitoral em risco.

A instituição conta com dispositivos de segurança que permitem identificar tentativas de alteração no código fonte de programas usados pelo tribunal. Além disso, esses códigos são auditáveis e acessíveis à Polícia Federal, ao Ministério Público, a partidos políticos e a entidades da sociedade civil.


O que disse Bolsonaro: que a Polícia Federal pediu os logs – registros cronológicos de acesso a um sistema computacional – do sistema para investigar um ataque hacker, mas sete meses depois o TSE disse que eles foram apagados.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Bolsonaro cita outro trecho do inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker contra o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, que não teve qualquer influência nas eleições. O material foi vazado em suas redes sociais em 2021, antes de a investigação ser concluída.

Os autos mostram que, em 10 de junho de 2019, um técnico do TSE respondeu para a PF que “o servidor de build dos códigos fonte da urna eletrônica não possuía qualquer tipo de log habilitado” e que não poderia repassar dados adicionais porque essas informações haviam sido perdidas por conta de uma manutenção e do armazenamento limitado do sistema. O pedido da PF não consta nos arquivos, o que impossibilita saber exatamente do que se tratava.

Isso não quer dizer que os dados foram apagados propositalmente pelo TSE, nem que isso impossibilite saber qual foi a extensão do ataque. Em resposta ao Estadão Verifica, a Justiça Eleitoral esclareceu que todas as versões do código-fonte ficam armazenadas no servidor e que nenhuma alteração foi detectada. Além disso, a alteração do código-fonte não é permitida em ambiente externo — o hacker só conseguiu visualizar e fazer o download do arquivo, não modificá-lo.

Ao dizer que o servidor de build não possuía log habilitado, o servidor do TSE informa que não tinha como verificar quais microcomputadores dentro da rede interna do TSE realizaram acessos ao servidor Jenkins, que elabora programas de computador. Ele também menciona uma manutenção no sistema realizada em agosto, antes do incidente ser notado e da abertura do inquérito, que ocasionou perda de informações específicas, além de uma limitação de armazenamento que fazia com que os dados fossem sobrescritos automaticamente com o passar do tempo.

Bolsonaro omite ainda que o TSE colaborou, sim, com o envio de máquinas e dados desde o começo do inquérito — cujo pedido partiu do próprio tribunal, em ofício assinado pela ministra Rosa Weber, que o presidia na época. A partir dessas informações, a PF refez a linha do tempo da invasão e deu encaminhamento ao inquérito a fim de identificar o hacker.

Em 9 de novembro de 2018, por exemplo, o delegado Victor Neves Feitosa Campos solicitou a Janino as imagens das máquinas invadidas, relatório do incidente e informações de logs e IPs suspeitos (registros de acesso ao sistema e endereço dos dispositivos conectados). A solicitação foi respondida dentro de uma semana, segundo consta nos autos.

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