Procuradores eleitorais de São Paulo se preparam para ‘tsunami das fake news’

Em entrevista ao 'Estadão', os procuradores regionais da República da 3.ª Região Paula Bajer Fernandes e Paulo Taubemblatt mostram entrosamento e tranquilidade para enfrentar o desafio de fiscalizar candidatos, partidos e campanhas no maior colégio do País, com mais de 32 milhões de eleitores que vão escolher deputados estaduais e federais, senador, o governador paulista e o presidente em meio a um clima de alta tensão

Paula Bajer Fernandes e Paulo Taubemblatt foram eleitos para comandar a PRE em São Paulo

Rayssa Motta e Pepita Ortega - Estadão

Uma dupla entrosada. Essa é a primeira impressão que passam os procuradores Paula Bajer Fernandes e Paulo Taubemblatt. Eles foram eleitos pelos pares para comandar a Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo (PRE-SP) e estarão à frente da instituição nas eleições que se aproximam, já marcadas por alta temperatura envolvendo os principais candidatos à Presidência e constantes alertas sobre o risco de fake news.

A nomeação foi formalizada ainda em outubro do ano passado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para um mandato de dois anos.

Paula é a titular e Taubemblatt o substituto, mas os dois projetam um trabalho conjunto, sem se deixar engessar pelos títulos. “Não gosto de trabalhar de uma maneira muito personalizada. Acho que o trabalho tem que ser em equipe”, resume a procuradora.

O Estadão conversou com os procuradores na sede do órgão, na Bela Vista, região central de São Paulo, onde o trabalho só deve aumentar daqui a outubro. Na medida em que a eleição se aproxima, os finais de semana e feriados se convertem em dias úteis para a equipe.

O grupo de trabalho é composto por mais cinco procuradores: dois colegas auxiliares e três dedicados exclusivamente aos casos de propaganda eleitoral. Assim como em outros Estados, houve um reforço inédito na equipe.

“Era uma eleição que parecia ser não de risco, mas que envolveria uma energia”, explica a procuradora. Ao mesmo tempo, ela defende que “todas as eleições são importantes”. “A eleição é um período muito sério no Brasil.”

A Procuradoria Regional Eleitoral no Estado é o órgão do Ministério Público que atua na fiscalização de campanhas de governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais junto ao Tribunal Regional Eleitoral. Além disso, a PRE é responsável por coordenar o trabalho dos promotores eleitorais distribuídos nas Varas Eleitorais – 425 em São Paulo – em casos ligados a candidatos a prefeituras e Câmaras de Vereadores.

Apesar dos ataques reiterados contra o sistema eleitoral, capitaneados pela militância bolsonarista e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (PL), os procuradores não veem risco para a democracia.

“É a liberdade que ele [Bolsonaro] tem de falar. Isso também faz parte do jogo democrático”, comenta Paula. “Eu não acho que a democracia esteja em risco, porque a gente está fazendo as eleições. As eleições são o exemplo máximo de democracia. E todas as instituições estão funcionando bem.”

Na mesma linha, Taubemblatt afirma que “trabalha sem nenhum tipo de pressão”. “Nós temos plena liberdade de atuação”, garante.

Preparação 

O ponto de virada no volume de trabalho tem data marcada: a partir de agosto, quando começa oficialmente a campanha eleitoral. Uma das frentes de atuação da PRE envolve o combate a notícias falsas. A prioridade será enfrentar conteúdos mentirosos dirigidos contra minorias.

“Nós não somos capazes, não há quem seja, de conter o tsunami das fake news, elas virão, por mais que o Ministério Público trabalhe”, afirma Taubemblatt. “O que eu vejo como preponderante na nossa atuação é ir atrás da fake news que agrida minorias, mulheres, pessoas em situação de vulnerabilidade, porque essa vai prejudicar diretamente alguém.”

Os procuradores são otimistas sobre o impacto das fake news nas eleições deste ano. A expectativa é a de que, com as experiências dos últimos pleitos, em 2018 e 2020, a população esteja mais preparada para filtrar as informações recebidas pela internet.

“As coisas na vida social vão acontecendo em ondas, então talvez as fake news já tiveram muito efeito em momentos anteriores, hoje eu acredito que o eleitorado sabe que há fake news. E simplesmente há pessoas que estão dispostas a aceitar informações que elas sabem que nem são verdadeiras em prol de uma narrativa”, acrescenta Taubemblatt.

Outro ponto a favor do trabalho é o de que as principais plataformas de redes sociais têm melhorado os mecanismos internos para enfrentar a disseminação de notícias falsas e já fecharam acordos com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra as fake news.

Um dos maiores desafios, segundo Paula, é não deixar as “crenças” pessoais interferirem no trabalho. Mesmo que se discorde, afirma, “uma opinião não é uma fake news”.

“A fake news tem que ser um fato, é uma desinformação. Quando você está observando isso, fazendo uma análise, você não pode agir apaixonadamente”, resume a procuradora.

Em casos concretos, se ficar provado que o candidato ou partido espalhou uma informação mentirosa, Paula afirma que o Ministério Público pode pedir a retirada da propaganda ou publicação. A depender do conteúdo, os políticos também podem responder por crimes como injúria, difamação e calúnia.

A procuradora lembra ainda do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cassou o mandato do deputado Fernando Francischini (União Brasil) por ataques infundados contra as urnas eletrônicas – caso que virou motivo de embate até no Supremo Tribunal Federal (STF).

Propaganda antecipada

Enquanto a campanha não começa oficialmente, e os nomes cotados para a disputa não passam de pré-candidatos, a atuação da PRE fica voltada sobretudo para denúncias de propaganda antecipada.

A Justiça Eleitoral tem uma posição “liberal” em relação ao que pode ser enquadrado como campanha extemporânea. O entendimento é o de que, se não houver pedido explícito de voto, não há irregularidade.

Até o momento, já passaram pelas mãos dos procuradores representações contra as motociatas em favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) em São Paulo; o show da cantora Daniela Mercury no feriado do Dia do Trabalhado, que contou com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); e as manifestações políticas de artistas na Virada Cultural. A maioria dos pedidos de investigação foi encaminhada para Brasília, que tem competência para decidir sobre a corrida presidencial.

“A gente não pode deliberar, nem emite juízo de valor. Cabe a gente falar se é pré-candidato a deputado, governador, senador”, explica Paula.

A preocupação dos procuradores é garantir que os candidatos larguem na mesma posição, o que na prática é quase impossível, já que as distorções se impõem antes mesmo da disputa, com a distribuição do fundo partidário e o acesso aos meios de comunicação.

“A gente tem que cuidar só para que a lei seja cumprida. Não proteger ninguém, não esconder ninguém, é isso que a gente faz. Sem prestar atenção em quem é quem. O Ministério Público tem que ser impessoal”, defende Paula. “A Procuradoria não pode agir politicamente. Não nos interessa direcionar eleição para um lado e nem para o outro.”

Na mesma linha, Taubemblatt diz que o papel do Ministério Público é aplicar a lei: “Nosso papel é acordar no dia 3 de outubro e falar ‘está tudo bem’”.


Violência política e proteção a minorias

O respeito aos grupos minoritários é outro ponto de atenção no Ministério Público Eleitoral. A preocupação é garantir o exercício de direitos em igualdade de condições. Os procuradores rejeitam a narrativa de que a proteção dos direitos das mulheres, das pessoas negras, da população LGBTQIA+ e dos indígenas seja uma pauta política.

“Se você ler o artigo quinto da Constituição, todos são iguais perante a lei. Isso não é política, é jurídico. É o Direito que fala isso. O artigo terceiro, o artigo quinto. Todas as pessoas têm que ter dignidade, está tudo escrito na Constituição”, frisa Paula.

“É uma atribuição constitucional do Ministério Público”, completa o procurador.

Desde 2018, os partidos devem destinar, no mínimo, 30% do fundo eleitoral para campanhas femininas. A partir desta eleição, as legendas também precisam respeitar a divisão igualitária de recursos entre candidatos negros e brancos. Quem não cumprir a regra pode ter as contas rejeitadas, os repasses suspensos e ser obrigado a devolver o dinheiro.

A medida é vista com bons olhos pelos procuradores. “Embora tenha havido uma anistia aos partidos que não fizeram esse investimento em eleições anteriores, a lei está corrigindo aos poucos. Isso são avanços”, avalia Taubemblatt. “O Ministério Público é um operador, um órgão de proposição, o avanço também vem pela via do Legislativo e da participação popular. Nós somos aplicadores da lei”.


Vocação da Justiça Eleitoral

Em 2019, em um golpe duro para a Operação Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os casos de corrupção e lavagem de dinheiro deveriam passar a ser julgados pela Justiça Eleitoral quando estiverem relacionados a crimes eleitorais. A decisão abriu caminho para que advogados pedissem a transferência de processos em curso, muitos já sentenciados, fazendo com que as ações tivessem que recomeçar na esfera eleitoral.

Na avaliação de Taubemblatt, a Justiça Eleitoral tem “pouca vocação” para atuar em casos penais que, em geral, são mais complexos.

“[A Justiça Eleitoral] jamais foi voltada para casos da complexidade como esses estão chegando agora. Servidores, a própria magistratura que faz parte, têm pouca familiaridade com esse tipo de crime, de fato é uma jurisprudência que acabou sendo benéfica para supostos infratores da lei”, indica.

Antes disso, a competência da Justiça Eleitoral ficava circunscrita a conduzir as eleições, analisar os registros de candidatura e as contas de campanha e, eventualmente, decretar a inelegibilidade dos políticos em caso de irregularidades.

Com o fim da Lava Jato, Taubemblatt não descarta que o STF revisite o tema. O julgamento teve um placar apertado, de 6 votos a 5.

“Tudo tem que ser enquadrado num contexto. Mas é difícil para a gente dizer que a Justiça funciona mal ou bem ou melhor ou pior, se você traçar um paralelo histórico a Justiça criminal no Brasil sempre teve muita dificuldade para punir determinado tipo de delinquentes”, pondera.

O procurador considera que uma das funções primordiais do Ministério Público é combater a corrupção, mas, da perspectiva eleitoral, a corrupção “é mais um dado, é mais uma moeda no cofrinho”.

“O Brasil é um país que está muito além desse debate monossilábico. A gente tem que seguir adiante, a corrupção vai permanecer com uma questão importante – ela está aí, só não vê quem não quer – mas tem outras diretrizes também, que são fundamentais para que a gente avance. E eu diria até que a gente vai acabar com a corrupção, investindo em educação, dando oportunidade, permitindo que a sociedade consiga fazer a vigilância que ela tem que fazer”, defende.

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