'Vamos pedir bolsa móveis, bolsa reforma', disse arquiteta sobre reforma de escritório de Jair Renan Bolsonaro

Polícia Federal analisa mensagens de celular envolvendo negócio do filho Zero Quatro do presidente em investigação sobre suspeita de tráfico de influência

Jair Renan, o filho Zero Quatro do presidente Jair Bolsonaro

Aguirre Talento e Patrik Camporez - O Globo

Mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram que empresários foram procurados para pagar obras de reforma em uma sala comercial de Jair Renan, o filho Zero Quatro do presidente Jair Bolsonaro. Nessas conversas, a arquiteta responsável pela obra chegou a ironizar a busca por patrocinadores e disse que pediriam "bolsa móveis e bolsa reforma". A PF apura se, em troca de patrocínios, Jair Renan teria atuado para intermediar contatos com o governo federal. Jair Renan nega ter praticado qualquer irregularidade.

O material analisado pela PF faz parte do inquérito que apura suspeitas de tráfico de influência de Jair Renan. Os investigadores tiveram acesso a diálogos do WhatsApp entre a arquiteta Tânia Fernandes e o personal trainer Allan de Lucena, amigo do Zero Quatro e responsável por ajudar na montagem de uma empresa de eventos para o filho do presidente em um camarote no estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Em uma conversa do dia 22 de maio de 2020, Allan disse a Tânia: "Estamos indo já em um patrocinador". Em seguida, ela respondeu: "Oba, preciso de todos os patrocinadores. Veja as cotas para patrocinar a execução". No diálogo, o personal trainer disse que, quando o orçamento da reforma estivesse finalizado, seria mais fácil montar as cotas de patrocínio para oferecer aos empresários. "Cota eletrônicos. Cota móveis. Cota reforma. Kkkkkk", escreveu ele. A arquiteta, então, respondeu: "Kkkkk vamos pedir bolsa móveis, bolsa reforma, bolsa família". Em tom de deboche, Allan afirmou que esses pedidos poderiam vazar para a imprensa e gerar manchetes a respeito do assunto: "Já já sai na mídia. Filho de presidente pede Bolsa Móveis".

Uma das empresas apontadas como patrocinadoras do projeto de Renan recebeu, desde 2019, R$ 25,4 milhões em contratos para o fornecimento de móveis como poltronas, cadeiras e mesas de escritório ao governo federal. 

A PF ainda obteve indícios de que os responsáveis pela reforma buscaram ocultar o nome de Jair Renan no negócio e negociaram a diminuição no valor da reforma caso não fosse emitida uma nota fiscal, sem recolhimento de impostos.

O contrato de prestação de serviços apresentado pela arquiteta era no valor de R$ 9.500,00, segundo os documentos obtidos pela investigação. Em 5 de junho de 2020, Allan encaminhou à arquiteta um áudio, sem dizer quem era o autor, orientando que o valor seria bancado por uma empresa ligada a Luís Felipe Belmonte: "Bom dia Alan, tudo bem? Deixa eu te falar, será que a arquiteta pode preparar um contratinho formalizando o valor a ser repassado que a Belmonte Sports vai repassar esse valor", diz a mensagem. 

Os indícios obtidos pela PF em documentos e diálogos apontam que um dos empresários que se comprometeu a custear a obra foi Luís Felipe Belmonte, um dos fundadores do Aliança Brasil, partido que seria criado para abrigar o presidente Jair Bolsonaro mas não saiu do papel.

Em 26 de junho de 2020, Allan pediu para a arquiteta verificar se o pagamento de Luís Felipe Belmonte havia sido depositado em sua conta e diz que ele estava abalado psicologicamente após ter sido alvo de buscas da PF no inquérito dos atos antidemocráticos.

"Tânia, a Natália pediu pra vc verificar sua conta e ver se teve alguma entrada de 9500. Porque o dr Felipe não sabe se depositou e não acha comprovante. O lance da PF deixou ele fora de órbita e ele simplesmente não lembra se fez", perguntou Allan. Tânia respondeu, duas horas depois, que os valores ainda não haviam sido debitados.

Procurada, Tânia Fernandes não quis se manifestar a respeito dos diálogos analisados pela PF. A arquiteta participou de uma reunião no Ministério de Desenvolvimento Regional com Jair Renan Bolsonaro em 11 de novembro de 2020 junto com um empresário que tinha interesse em vender um projeto para construção de unidades habitacionais em pedra de granito.

Procurado, Allan de Lucena afirmou que não iria se manifestar sobre o assunto. O advogado Eduardo Toledo, que defende Luís Felipe Belmonte, disse que a doação é um fato "absolutamente lícito, irrelevante e que não houve nenhuma contrapartida" e que os esclarecimentos serão prestados à PF. Em depoimento, Jair Renan alegou que não foi o responsável por captar patrocínios e disse que nunca atuou para intermediar agendas com o governo federal.

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