Qual é a graça de Bolsonaro?

O problema do presidente não é tanto o STF em 2021, mas sim aqueles ministros que têm poder noTribunal Superior Eleitoral (TSE)



Fernando Gabeira - O Estado de S.Paulo 

A decisão de Bolsonaro de conceder uma graça presidencial a Daniel Silveira é um marco na sua trajetória. Remete ao 7 de setembro de 2021. Naquele momento, ele fez um discurso inflamado contra o STF, mas, logo em seguida, recuou. Bolsonaro deu um passo atrás para caminhar dois passos à frente num ano eleitoral. Agora, o próprio ex-presidente Michel Temer tentou dissuadi-lo, mas ele segue firme em sua lógica de confronto. 

Foram muitos os argumentos jurídicos contra o ato de Bolsonaro. Mas o que parece interessar a ele, na verdade, são as consequências políticas. Avançou ou não no seu projeto de reeleição? É difícil de responder neste momento, mas aparentemente Bolsonaro reforçou sua base e se distanciou um pouco dos setores mais moderados, que, em última análise, são o fiel da balança de uma eleição polarizada. O problema de Bolsonaro não é tanto o STF em 2021, mas sim aqueles ministros que têm poder no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

No caso de Daniel Silveira, ele apenas partiu para o confronto, sem maiores cuidados. Não concedeu graça a um criminoso, como prevê a Constituição. Ele aboliu o crime, afirmando que Silveira apenas exerceu a liberdade de expressão. Em outras palavras, funcionou como uma instância jurídica de revisão, substituiu a Corte Suprema. Isso pode? Perguntam todos aos juízes, no mesmo tom em que locutores esportivos consultam comentaristas especializados depois de um lance confuso. 

Da mesma forma, Bolsonaro usou um falso argumento para fundamentar sua decisão. Disse que havia uma comoção nacional por causa da pena a Silveira. Havia apenas um carnaval, muita gente cantando e apontando dois dedos para o alto. 

É previsível que agora Bolsonaro volte toda sua energia para questionar as urnas eletrônicas. Ele conseguiu uma nota do Ministério da Defesa condenando o ministro Luís Roberto Barroso. Ao dizer que as Forças Armadas estavam sendo influenciadas para questionar as urnas eletrônicas, Barroso abriu um flanco. Na verdade, essa é a intenção de Bolsonaro, mas todas as forcas democráticas têm de contar com a hipótese de que ele não conseguiu nem conseguirá. 

Tudo isso acontece já no calor da pré-campanha. As pesquisas indicam um crescimento de Bolsonaro, mas apontam para um limite por causa da rejeição. Com uma possibilidade grande de derrota, interessa a ele o quadro mais tumultuado possível. 

Interessante, também, acentuar que um quadro de tumulto estimulado pelo presidente da República se reflete claramente na economia: afasta investidores, desvaloriza o real, enfim, traz uma série de consequências negativas. Portanto, é um momento de muita cautela, pois simultaneamente é necessário evitar as provocações que vêm de cima e manter a economia num bom estado, para que o sucessor de Bolsonaro não a encontre arruinada. 

O TSE tem seguido o caminho mais adequado para esta conjuntura. Ampliou a transparência do sistema eleitoral, compartilha de sua organização com diferentes setores da sociedade e até para a observação internacional está aberto. 

Há dois anos, falamos muito de uma frente democrática. Havia dificuldades em formá-la porque as cicatrizes entre os opositores de Bolsonaro ainda estavam muito vivas. Em pleno processo eleitoral, é difícil retomar a ideia de uma frente com a mesma amplitude. Mas nada impede que as campanhas troquem informações e que, num determinado momento, exista um pronunciamento coletivo. Este momento ocorre quando o processo estiver ameaçado, mas pode ser também quando o processo for contestado. Se isso acontecer, será necessária a frente de candidatos que, derrotados ou não, tenham o objetivo comum de preservar a escolha democrática. 

Vivemos um debate global sobre liberdade de expressão. A compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk vai reacender uma discussão sobre o comportamento da plataforma, uma vez que o novo dono tende a uma posição mais liberal. Isso vai repercutir no Brasil, sem dúvida. O Twitter firmou um compromisso de combater fake news com a Justiça Eleitoral. Será que poderá cumpri-lo, com a mudança de direção? 

A concepção de liberdade de expressão do bolsonarismo e de seus líderes é bastante singular. Foi esse tipo de concepção, nos primórdios da rede social, que permitiu o avanço do racismo, da política do ódio, do assédio moral. 

As redes pareciam estar amadurecendo, criando regras, ampliando seu trabalho de moderação. E isso era nossa esperança de atenuar o impacto das fake news em 2022. Se não conseguirmos um avanço neste campo da neutralização das fake news, a tarefa de tumultuar as eleições para questionar seus resultados será muito mais fácil. 

O que a nova conjuntura parece nos indicar é que a necessidade de uma frente em defesa da democracia continua sendo tão importante como nos momentos em que ela pareceu mais ameaçada. A existência de muitas candidaturas é uma realidade democrática. Mas os diferentes jogadores não podem ignorar que estão querendo levar a bola, e, neste caso, simplesmente não haverá jogo. 

Se os candidatos ainda não suportam falar uns com os outros, ao menos deveriam designar seus representantes para esta conversa permanente no ano eleitoral. É só o que faltava: alguma coisa acontecer, e não estarmos minimamente preparados. Quem quer democracia precisa cuidar dela.

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