Apesar de Bolsonaro

Presidente tenta faturar com o arrefecimento da pandemia, cujos efeitos agravou


Folha de S.Paulo

Decretada em fevereiro de 2020, a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) constitui uma espécie de espinha dorsal das ações do Estado com relação à pandemia.

A portaria deu lastro legal para medidas fundamentais de combate à Covid-19, como o uso emergencial de vacinas, a imposição de máscaras e a compra de insumos sem a necessidade de licitação.

O diploma também deu ao governo poder para fazer gastos extraordinários, não sujeitos ao teto constitucional de despesas. A flexibilização, embora essencial, também gerou suspeitas de superfaturamento e favorecimento.

Assim, reveste-se de grande significado prático e político a decisão, anunciada no domingo (17), de revogar nos próximos dias o estado de emergência.

Somente no Ministério da Saúde, por exemplo, estima-se que cerca de 170 regras poderão sofrer algum impacto devido ao fim da Espin. Recomenda-se, portanto, que esse processo seja conduzido de maneira prudente e técnica, a fim de evitar sobressaltos e interrupções de serviços ainda relevantes.

Do ponto de vista simbólico, as implicações não são menos importantes. Num momento em que o presidente clama pelo "fim da pandemia" (o que compete à Organização Mundial da Saúde), o governo tenta virar a página de seu maior desastre administrativo, colhendo louros políticos indevidos pelo arrefecimento da crise sanitária.

A melhora observada atualmente nos indicadores da Covid-19 no Brasil se dá, afinal, apesar de Jair Bolsonaro (PL) e seus auxiliares.

O mandatário vem se portando, desde o início, como o chefe dos negacionistas —menosprezando a gravidade da crise, estimulando o contágio como forma de imunização, promovendo remédios sem eficácia contra a doença, procrastinando a compra de vacinas, sabotando toda e qualquer medida de combate ao coronavírus.

Tudo isso misturado a doses cavalares de desinformação e à indiferença desumana a uma tragédia que cobrou a vida de mais de 660 mil pessoas e afetou, direta e indiretamente, todos os brasileiros.

Em sua ofensiva macabra, Bolsonaro contou com a subserviência do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que, apesar do cargo e da formação médica, acabou por se converter em caixa de ressonância das perfídias presidenciais.

As pretensões da dupla com o fim do estado de emergência, contudo, não podem escamotear a realidade. A pandemia persiste entre nós; menos letal, é verdade, mas ainda assim matando diariamente cerca de uma centena de pessoas no país —e exigindo um enfrentamento que seguirá, como sempre, nas mãos de estados e municípios.

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