Alexandre de Moraes critica 'lavagem cerebral' contra democracia e nega que vá encerrar inquérito das fake news

O ministro do STF afirmou que a investigação está chegando aos financiadores da estrutura digital de desinformação

ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes

Beatriz Bulla - O Estado de S.Paulo 

Na mira de ataques do Planalto e de aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes criticou na manhã desta sexta-feira, 29, o que chamou de “lavagem cerebral” feita nas redes sociais contra a democracia, disse que o Judiciário não será abalado por isso e negou que o inquérito das fake news será arquivado. 

“Não vai arquivar inquérito de fake news nenhum, porque nós estamos chegando nos financiadores. As pessoas não entendem que a investigação tem o seu momento público e tem o seu momento sigiloso, que no mais das vezes é o mais importante, quando você vai costurando as atividades ilícitas que a Polícia Federal está investigando”, afirmou Moraes, que disse ainda que “a História vai reconhecer o ato inteligente e corajoso do ministro Dias Toffoli” de abrir o inquérito. 

No centro de um cabo de guerra com o Planalto, após Bolsonaro conceder perdão ao deputado Daniel Silveira (PTB) para livrá-lo da pena imposta pelo plenário do STF por causa das ameaças ao tribunal, Moraes afirmou que a independência do Judiciário “não será abalada”: “O Poder Judiciário brasileiro vai continuar atuando de forma firme, seria e rigorosa em defesa da democracia e do Estado de Direito”.

Como mostrou o Estadão, na avaliação do Planalto e de integrantes do próprio STF, o perdão a Silveira pode provocar o "esvaziamento" do inquérito das fake news, uma vez que o contexto político-eleitoral (e o pleito de outubro cada vez mais próximo) pode acabar 'constrangendo' novas ações contra aliados de Bolsonaro diante do precedente da "graça". O presidente já deixou claro que não exitaria em recorrer novamente a um decreto do tipo. Há cerca de um mês, Moraes não ordena novos despachos para a investigação, o que ajuda a explicar a contundência com que destacou que não vai arquivar o inquérito. 

Além de relator dos inquéritos das milícias digitais e o das fake news, que investiga ataques à Corte por parte de aliados do presidente Jair Bolsonaro e investidas contra instituições democráticas, Moraes estará na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de agosto e comandará a Corte durante as eleições presidenciais. 


Liberdade de expressão

Ao falar do desafio da desinformação nas eleições deste ano, o ministro disse que a liberdade de expressão não pode ser um “escudo protético para prática de atividades ilícitas”. Aqueles que usarem as redes para esse fim, disse ele, devem “ter coragem” para assumir as consequências: “Faça o que quiser, ninguém vai te censurar previamente, mas suporte as consequências”. 

“Não é possível defender volta do ato institucional número 5, que garantia a morte e tortura de pessoas, o fechamento do Congresso e do Poder Judiciário. Não estamos em uma selva. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Democracia não é anarquia, senão não teríamos a Constituição. Não é possível aceitar como normal a desinformação estruturada, programada e com finalidade clara de atentar contra o estado democrático de direito”, disse. 

Segundo ele, os ataques à Corte fazem parte de uma estratégia clara para minar as instituições democráticas. “A extrema direita no mundo percebeu que as mesmas redes sociais que vinham permitindo democratização da informação, do direito à manifestação, da liberdade de expressão, poderiam ser utilizadas para iniciar uma verdadeira lavagem cerebral contra a democracia”, afirmou Moraes. 

Durante palestra em São Paulo, onde participou de evento do Centro Universitário FAAP sob o tema “Guerra e Paz”, Moraes repetiu diversas vezes que a operação de desinformação é estruturada e com finalidade clara. “Desinformação não é ingênua, é criminosa e tem finalidade. Para uns (a finalidade) é só o enriquecimento, para outros é a tomada de poder sem controle”, afirmou o ministro. 

“Houve e há uma estruturação bem financiada com interesses antidemocráticos e com aproveitamento da internet”, disse. Segundo ele, o ataque depende de três fatores: atingir a liberdade de imprensa, as eleições livres e o Poder Judiciário. A forma de fazer, disse Moraes, é através de um núcleo de produção de conteúdo nas redes impulsionado por um outro núcleo de divulgação que dá volume às postagens e, de certa forma, legitima a entrada do terceiro núcleo: o de autoridades políticas nessa engrenagem com a proliferação das notícias fraudulentas. “O grande perigo é subestimar o poder da desinformação. Quando se fala que só se manda mensagem para as bolhas não é verdade. O mundo todo chegou a esse momento porque subestimou o poder das redes, do algoritmo e da desinformação”, disse Moraes. 

O Judiciário, argumentou o ministro, é um obstáculo ao “populismo ditatorial”. “O discurso de que pessoas que não foram eleitas não deixam os eleitos governarem. É um discurso extremamente fácil de repetir e totalmente afrontoso à ideia de estado democrático de direito”, afirmou o ministro. 

Ao explicar um a um de seus pontos, o ministro afirmou que a descredibilização da mídia passa pela profusão de notícias falsas através de supostos especialistas: “Isso não foi aleatório, isso foi estudado. Você confunde: a informação testada, checada e que pode ser responsabilizada hoje tem o mesmo valor da notícia fraudulenta”. 

“A imprensa séria atua dentro do binômio da Constituição: liberdade com responsabilidade. Você é livre para se manifestar como quiser, mas vai ser responsabilizado pelos excessos”, afirmou Alexandre de Moraes. 

Ele também criticou as plataformas de redes sociais e defendeu o Projeto de Lei das Fake News. “Não é possível que se isentem totalmente sabendo que aquelas notícias são fraudulentas, sabendo que manifestam discurso de ódio, e não retiram essas notícias”, disse. 

“É cada vez mais difícil saber o que é verdadeiro ou falso. E com gravidade maior: há dificuldade de responsabilizar, seja por anonimato, seja porque a legislação é falha. Se aproveitaram de um vácuo legislativo.” 

Sobre o ataque à legitimidade das eleições, Moraes afirmou que vídeos de fraudes nas urnas na internet são “patéticos” e que a desinformação sempre tenta beneficiar um lado. “A ideia é a seguinte: o que me beneficia? Se isso (forma de voto) me beneficia, vou atacar a outra forma. E a partir daí vão tentando corroer a liberdade das eleições”, declarou. 

Apesar do tom sério, Moraes fez brincadeiras na palestra para alunos da FAAP e disse que a ideia não é punir quem repassa desinformação inadvertidamente. Disse que ele mesmo recebe esse tipo de mensagem de sua família. “Apesar de acharem que eu sou mau, não vou prender minha mãe por causa disso, né?”, disse, arrancando risos. Ainda sobre a propagação de notícias falsas, Moraes brincou que os “grupos de família” nos chats deveriam ser declarados inconstitucionais. “E, se você sai do grupo, você é o pecador”, disse.

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