Telegram não está acima da lei

A suspensão do Telegram não é inédita, tampouco representa ativismo judicial. É estrito cumprimento da lei brasileira, a quem todos estão sujeitos



O Estado de S.Paulo

Se deseja funcionar no País, o aplicativo de mensagens Telegram deve cumprir as leis brasileiras e as decisões judiciais. Simples assim. Nenhuma pessoa física ou jurídica está acima da lei. E foi com esse fundamento – inquestionável do ponto de vista do Estado Democrático de Direito – que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a suspensão “completa e integral” do Telegram no País até o efetivo cumprimento de várias decisões judiciais que a empresa vem ignorando, além do pagamento de multa diária e da obrigação de indicar representação oficial no Brasil. 

A suspensão do funcionamento de um aplicativo não é criação jurisprudencial, tampouco ativismo judicial. Referência internacional na proteção da neutralidade da rede e no respeito à liberdade de expressão, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) prevê expressamente, em seu art. 12, hipóteses de suspensão temporária ou mesmo proibição de exercício de determinadas atividades por parte de provedores de conexão e de aplicações de internet. 

“O ordenamento jurídico brasileiro prevê (...) a necessidade de que as empresas que administram serviços de internet no Brasil atendam às decisões judiciais que determinam o fornecimento de dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, circunstância que não tem sido atendida pela empresa Telegram”, diz Alexandre de Moraes, na decisão de 18 páginas. 
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Além de estar prevista em lei, a suspensão temporária do funcionamento de um aplicativo não é inédita. Por exemplo, o Judiciário aplicou algumas vezes a medida em relação ao WhatsApp, também em razão de descumprimento de decisões judiciais. 

Numa das vezes, Mark Zuckerberg, cofundador e presidente do Facebook, empresa proprietária do WhatsApp, reclamou da Justiça brasileira, dizendo que era “um dia triste para o País”, pois “até hoje, o Brasil tem sido um importante aliado na criação de uma internet aberta”. Era uma evidente tentativa de inversão de responsabilidades. 

Na ocasião, dissemos, neste espaço, que o Facebook se colocava “como vítima da situação quando, na verdade, é a empresa a responsável pela interrupção do serviço”. Ademais, “ao oferecer serviços no País, o Facebook deve cumprir as leis brasileiras”, razão pela qual não podia “se colocar acima da ordem jurídica do País” nem “usar o fato de ter milhões de usuários para atribuir-se uma espécie de imunidade perante a Justiça”. 

No caso agora tratado, o abuso do Telegram é ainda mais evidente. O aplicativo de mensagens não apenas descumpriu uma série de decisões judiciais, como nem sequer apresentou resposta às diversas solicitações do Judiciário. Na decisão, Alexandre de Moraes fala em “desprezo à Justiça” e em “falta total de cooperação da plataforma Telegram com os órgãos judiciais”. 

O ministro do STF lembrou também que essa atitude “desrespeita a soberania de diversos países, não sendo circunstância que se verifica exclusivamente no Brasil e vem permitindo que essa plataforma venha sendo reiteradamente utilizada para a prática de inúmeras infrações penais”. A corroborar o escárnio, o Telegram não tem representação oficial no Brasil. 

O fato de ser uma decisão monocrática não deslegitima em nada a suspensão do aplicativo. O valor de uma ordem judicial não está condicionado à qualidade pessoal de quem a emitiu, tampouco à quantidade de autores da decisão. Monocrática ou colegiada, uma decisão judicial reflete por princípio a ordem jurídica, isto é, a vontade soberana da população expressa na lei. Eventuais equívocos judiciais podem e devem ser revistos pelas instâncias de controle. De toda forma, a correção desses equívocos se faz pelas vias institucionais, e não simplesmente ignorando as ordens da Justiça. 

Num Estado Democrático de Direito, não cabe ignorar a lei ou descumprir decisão judicial. É precisamente o respeito ao chamado regime de leis que assegura a liberdade de todos. De outra forma, não haveria liberdade, e sim barbárie e prevalência do mais forte.

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