Lula, Bolsonaro e a independência das agências reguladoras

Os dois políticos que lideram as pesquisas eleitorais de 2022 não são amigos das agências e já tentaram coagi-las ou aparelhá-las

Lula e Bolsonaro

Carlos Graib - O Antagonista

Antônio Barra Torres (foto) aplicou um corretivo magistral em Jair Bolsonaro, e só pôde fazer isso porque detém um mandato fixo, de cinco anos, que o antipresidente da República não pode interromper. Mais importante, a agência reguladora que ele comanda, a Anvisa, também desfruta de independência, razão porque conseguiu tomar decisões técnicas a respeito da vacinação contra a Covid, em vez de curvar-se às perversões dos bolsonaristas. 

Em um ano eleitoral, é importante reiterar esses fatos. A independência das agências reguladoras e seus dirigentes ainda não é um assunto inteiramente pacificado no Brasil. 

Se não odiava essas instituições, Bolsonaro certamente passou a odiá-las. 

Na esquerda, muita gente que se diverte com o revés de Bolsonaro não tem nenhum compromisso com o modelo das agências reguladoras. Em sua passagem pelo Planalto, Lula viveu às turras com elas. Criticou-as com frequência, agiu para esvaziar suas competências e aparelhá-las. 

Os dois políticos que lideram as pesquisas eleitorais de 2022 não são amigos das agências. 

A função desses órgãos não é apenas aplicar o melhor conhecimento técnico em suas áreas. É também dar previsibilidade ao funcionamento de alguns setores da economia, evitando que sofram intervenções politiqueiras a cada mudança de governo. Por isso as agências reguladoras irritam presidentes voluntariosos.

A sanha de Bolsonaro para subjugar a Anvisa foge, na verdade, ao padrão dos embates entre agências e governos. Entre os mais comuns, estão aqueles que se dão em torno da definição de preços ao consumidor. 

Alguém vai dizer que impedir as pessoas de tomar vacina não é a mesma coisa que tentar segurar um aumento, digamos, na conta de luz. O problema desse segundo tipo de interferência é que ele cria distorções que mais cedo ou mais tarde acabam cobrando seu preço, e espanta investidores, num país que tem inúmeras carências de infraestrutura e nenhum dinheiro para cuidar delas. São interferências que condenam o país ao perpétuo atraso, apenas para que a popularidade de quem está no poder seja arranhada.

Claro que se pode questionar decisões pontuais de agências reguladoras. Mas não se pode tentar coagi-las ou transforma-las em fantoches. 

Em 2003, assim que chegou ao governo, Lula reclamou de não ser avisado previamente de aumentos de tarifas de telefonia móvel e energia elétrica. Preocupado com sua popularidade, ele deu início a uma campanha para transferir atribuições das agências para os ministérios e para ter o direito de demitir seus presidentes. Mandou uma lei ao Congresso, que acabou não avançando. Na falta disso, adotou a estratégia de aparelhar as agências, nomeando para suas diretorias pessoas ligadas ao PT ou partidos aliados, que nem sempre tinham competência na área onde iriam atuar. 

A primeira polêmica de Bolsonaro nessa seara aconteceu logo no começo do seu governo, em 2019. Quando o Congresso aprovou um novo marco para as agências, ele vetou um dispositivo que obrigava o presidente da República a escolher os dirigentes dos órgãos a partir de uma lista tríplice. Ele disse que tentavam roubar suas prerrogativas e transformá-lo em “rainha da Inglaterra”.

Em 2020, ele pressionou a Aneel, que regula o setor energético, para que mantivesse isenções de tributos concedidas aos produtores de energia solar. A agência havia verificado que os incentivos acabavam onerando alguns consumidores mais do que outros. Mas Bolsonaro não olhou as contas. Preferiu dizer aos seus eleitores que havia impedido a Aneel de “taxar o sol”.

Ao nomear militar Barra Torres para a Anvisa, Bolsonaro também pretendia aparelhá-la. Mas o tiro saiu pela culatra. Em contraste com Marcelo Queiroga, Barra Torres preferiu se manter fiel à sua formação de médico e de militar, em vez de lamber as botas de um antipresidente. 

A independência das agências reguladoras deveria ser um tema da campanha eleitoral. É importante saber se o próximo presidente aceita conviver com elas ou pretende concentrar o máximo de poder em suas próprias mãos.

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PS: O que há de mais depravado na maneira como Jair Bolsonaro dispara mentiras e insinuações maldosas contra quem atravessa seu caminho é que elas são apenas o ponto de partida para campanhas massivas de intimidação. No episódio da Anvisa, ameaças aos funcionários da agência e seus familiares seguiram-se às suas falas. Há método nessas ações: o método das milícias. E nem todos podem reagir como fez o contra-almirante Barra Torres.

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