A PM não é uma força incontrolável

Conter a cooptação de forças do Estado para satisfazer interesses políticos particulares é, antes de tudo, salvaguardar o regime democrático no Brasil



O Estado de S.Paulo

O comando da Polícia Militar (PM) do Estado de São Paulo publicou uma diretriz no dia 27 de dezembro para disciplinar o uso de redes sociais e aplicativos de mensagem por policiais militares. O regramento das manifestações públicas dos militares do Estado é uma oportuna medida neste ano eleitoral. 

Ao longo de sua vida pública, o presidente Jair Bolsonaro deu mostras de que não mede esforços – não raro violando as leis e a Constituição – para engajar as forças de segurança pública em seu projeto de poder. Portanto, conter a cooptação da força de segurança ostensiva do Estado para satisfazer interesses políticos particulares significa, antes de tudo, salvaguardar o regime democrático no Brasil. 

A diretriz da PM paulista proíbe manifestações “políticas, reivindicatórias ou depreciativas” a outras instituições e órgãos públicos nas redes sociais e aplicativos de mensagem, como WhatsApp e Telegram. Também veda aos policiais militares, da ativa e da reserva, publicar imagens de símbolos, fardas e armas como forma de autopromoção. “Os PMs devem estar cientes de que seus comportamentos nas redes sociais podem afetar a credibilidade de seu trabalho, da instituição e do Estado”, afirmou o comandante-geral da PM paulista, coronel Fernando Medeiros. 

As novas regras estabelecidas pelo Estado-Maior da PM de São Paulo ainda impedem a chamada monetização dos canais dos policiais militares, sobretudo no YouTube. Há casos de PMs que exploram símbolos e equipamentos da corporação em vídeos que divulgam até mesmo operações policiais. O objetivo é atrair seguidores e, assim, aumentar o engajamento e a remuneração por visualizações. Ou bem se é policial militar ou celebridade da internet. 

Além dos próprios méritos, o acerto da diretriz da PM paulista também pode ser atestado pela reação que provocou em próceres do bolsonarismo, a começar pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O filho “03” do presidente da República repudiou as restrições impostas aos policiais militares paulistas e afirmou que, “se a DitaDoria (sic) quer o apoio da PM, basta cumprir com suas promessas”. O deputado Capitão Augusto (PL-SP), outro nome ligado ao bolsonarismo, alegou que a publicação da nova diretriz “é ato típico de estado totalitário ditatorial”, seja lá o que isso signifique. 

Ambas as reações revelam a má concepção do papel da PM por parte dos bolsonaristas que desejam cooptá-la como força política, como se o Estado Democrático de Direito se sustentasse como tal havendo militantes políticos no seio de instituições que detêm o monopólio do uso da violência. 

Ao longo do ano passado, o País assistiu estarrecido ao comportamento indigno e inconstitucional de alguns policiais militares, incluindo oficiais de alta patente, a partir de uma visão muito deturpada do que vem a ser liberdade de expressão. Absurdos, quando não crimes, foram cometidos em nome dessa garantia constitucional. Em países democráticos como o Brasil, polícia e política são como água e óleo. Tudo o que é feito dentro da lei para manter essa separação é muito salutar. A Polícia Militar, nunca é demais reforçar, é uma instituição de Estado, que atravessa sucessivos governos. Não se presta à balbúrdia e à insubordinação nem tampouco se pode deixar levar pelas paixões inerentes às lides políticas. 

No dia 6 passado, o comandante-geral do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, também publicou diretriz para disciplinar o comportamento de suas tropas nas redes sociais, atualizando normas determinadas por seu antecessor, o general Edson Leal Pujol, em março de 2020. Mais do que as manifestações de natureza política, já vedadas pela legislação militar, a preocupação do general Paulo Sérgio é a disseminação de notícias falsas não só por militares, como também por seus familiares. O general Paulo Sérgio determinou ainda que os militares devem se vacinar contra a covid-19, salvo “casos omissos”, que deverão ser tratados pelo Departamento-Geral do Pessoal (DGP) do Exército. Trata-se de um claro sinal de afastamento do Exército de temas caros a Bolsonaro.

Comentários