Juíza afasta Larissa Dutra da presidência do Iphan após Bolsonaro admitir interferência no órgão

Decisão de magistrada da 28ª Vara Federal do Rio acolhe pedido da Procuradoria apresentado depois que o presidente declarou em evento em São Paulo que, em 2019, atendeu seu aliado Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, 'ripou todo mundo do Iphan' e 'botou outro cara lá'

Luciano Hang e Bolsonaro

Pepita Ortega 

A juíza Mariana Tomaz da Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, suspendeu a nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra à presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a afastando de suas funções do órgão. Em despacho dado na noite desta sexta-feira, 17, a magistrada destacou que o presidente Jair Bolsonaro admitiu que, após ter tomado conhecimento de que uma obra realizada por Luciano Hang, ‘empresário e notório apoiador do governo’, teria sido paralisada por ordem do Iphan, ‘procedeu à substituição da direção da referida autarquia, de modo a viabilizar a continuidade da obra’.

“As falas supratranscritas sugerem, ao menos em um juízo de cognição sumária, uma relação de causa e efeito entre as exigências que vinham sendo impostas pelo IPHAN à continuidade das obras do empresário e a destituição da então dirigente da entidade”, escreveu a magistrada em sua decisão.


Documento


A decisão atende pedido feito pelo Ministério Público Federal após o presidente Jair Bolsonaro admitir que interferiu no instituto para atender a interesses privados. O chefe do Executivo afirmou nesta quarta-feira, 15, que trocou o comando da instituição, no fim de 2019, para atender ao empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan.

“Tomei conhecimento que uma pessoa conhecida, o (empresário bolsonarista) Luciano Hang, estava fazendo mais uma obra e apareceu um pedaço de azulejo nas escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta (Marcelo Álvaro Antônio, à época titular do Turismo): ‘que trem é esse?’ Porque não sou inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com ‘PH’. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ‘ripei’ todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá”, disse Bolsonaro durante uma palestra para empresários na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

Para a juíza Mariana Tomaz da Cunha, a declaração vai de encontro a informações prestadas pelo MPF, no sentido de que, desde a polêmica reunião interministerial do dia 22 de abril de 2020, ‘a intenção de substituir a presidência da autarquia com o propósito não de acautelar o patrimônio cultural brasileiro, mas de promover o favorecimento pessoal de interesses específicos de pessoas e instituições alinhadas à agenda governamental’. A nomeação da presidente do Iphan, agora afastada, se deu no dia 11 de maio do mesmo ano.

No despacho, a magistrada ainda lembrou que um primeiro pedido de afastamento de Dutra foi negado sob o entendimento de que as provas juntadas aos autos, até aquele momento, não ‘mostravam suficientes a comprovar o desvio de finalidade’. Ainda segundo a juíza, tal decisão se baseou nas alegações de ‘formação incompatível com o cargo e a incapacidade técnica’.

Agora, segundo Cunha, o desvio de finalidade alegado diz respeito a ‘quando o agente público pratica um ato em benefício próprio ou alheio, sem observância
aos princípios da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público e da impessoalidade’. “Em que pese a indiscutível necessidade de autocontenção do Judiciário e a consequente deferência às decisões exaradas pelos demais poderes, este não pode atuar como mero espectador de atos cujo fundamento subjacente se encontra flagrantemente dissociado das finalidades que lhes deveriam inspirar”, ponderou.

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