Almas gêmeas

Escandalosamente conivente com o governo Bolsonaro, o PT nunca atuou seriamente para responsabilizar o presidente pelos seus atos. Lula precisa de Bolsonaro desimpedido



O Estado de S.Paulo 

Não é raro ouvir o discurso de que o presidente Jair Bolsonaro tem sido ineficaz na promoção de suas promessas de campanha – em especial, das reformas econômicas – em razão da forte oposição que supostamente encontrou nos partidos de esquerda. O PT e seus satélites não teriam dado nenhuma trégua àquele que os bolsonaristas radicais dizem ser o primeiro governo “realmente de direita” do País. 

É interessante que essa narrativa não é repetida apenas pelo bolsonarismo. O PT tenta se apresentar como contundente oposição contra o governo Bolsonaro. No entanto, apesar de servir a interesses de petistas e bolsonaristas, esse discurso não tem nenhum apoio na realidade. Os fatos mostram que o PT tem sido escandalosamente conivente com o governo federal. 

Basta ver a atuação do partido de Luiz Inácio Lula da Silva na aprovação do nome de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). O mesmo que foi visto antes, com Kassio Nunes Marques, ocorreu agora. Apesar de colocar-se como oposição nas redes sociais, o PT apoiou os escolhidos de Jair Bolsonaro. 

É preciso que fique devidamente registrado para a posteridade. Os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro para o Supremo contaram com o aval do PT. Ou seja, os erros do bolsonarismo em relação ao STF, cujos efeitos serão sentidos pelo País por muitos anos, não tiveram oposição do lulopetismo. 

Ademais, é notória a falta de vontade do PT em pressionar pelo impeachment de Jair Bolsonaro. O partido de Lula não mobilizou sua militância. Em alguns momentos, quando se tornou constrangedor demais não fazer nada diante da pressão popular, o PT ainda ensaiou um jogo de cena, mas nada além disso, seja no Congresso, seja nas ruas. 

Diante do histórico petista, tão raivoso contra os governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, sabotados de todas as maneiras pelo partido de Lula, é acintoso o atual comportamento do demiurgo de Garanhuns e de seus correligionários, tão compassivos com as demandas de Jair Bolsonaro. 

Eis a verdade inconveniente. Apesar de o País dispor de meios constitucionais para tirar um presidente da República que atua de forma incompatível com o cargo, os brasileiros tiveram de suportar Jair Bolsonaro por quatro anos em razão, entre outros fatores, do interesse de Lula de que Jair Bolsonaro continuasse elegível em 2022. 

O PT nunca atuou seriamente para responsabilizar o presidente da República pelos seus atos. Essa frouxidão foi vista também na participação, um tanto acanhada, do partido de Lula na CPI da Covid. Não se viu nenhum vislumbre da antiga combatividade dos petistas em governos anteriores. 

Fosse adiante o impeachment, Jair Bolsonaro não estaria no páreo eleitoral do ano que vem, o que certamente dificultaria os interesses eleitorais de Lula. Sem o nome do atual presidente na urna, todos os outros possíveis adversários do líder petista seriam desde já muito mais competitivos. Lula, portanto, precisa de Bolsonaro. 

E, estranha ironia, Bolsonaro também precisa de Lula. Sem propostas, sem plano de governo e sem realizações a mostrar, o ex-capitão tem uma única bandeira: apresentar-se como o candidato mais radicalmente antipetista. 

Recentemente, o ex-juiz Sérgio Moro falou sobre a reação de Bolsonaro com a saída de Lula da cadeia. “A gente sabia que o Planalto, o presidente comemorou quando o Lula foi solto, em 2019, porque ele (Bolsonaro) entendia que aquilo o beneficiava literalmente”, disse o pré-candidato a presidente, em entrevista à Rádio Jovem Pan Paraná. 

Um e outro, Bolsonaro e Lula, ambos com enorme passivo de malfeitos, demagogia e irresponsabilidade, precisam de um inimigo terrível para mobilizar o País – Lula, amigo de ditadores esquerdistas da América Latina, se apresenta como herói da democracia contra Bolsonaro; já o presidente, empenhado em reduzir o Estado a um despachante de seus interesses privados, brada que é o único capaz de impedir que o lulopetismo volte a controlar o Estado. Um e outro são, assim, associados na empulhação e no atraso.

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