Falhas de Bolsonaro vão muito além da pandemia, diz Financial Times

Em editorial, jornal afirma que presidente se mostra incapaz de administrar a economia ou a crise sanitária

O presidente Jair Bolsonaro

FINANCIAL TIMES

O jornal inglês Financial Times, em editorial, afirma que poucos presidentes enfrentam tantos problemas jurídicos quanto Jair Bolsonaro (sem partido). A publicação classificou Bolsonaro como "líder da extrema-direita do Brasil".

O texto cita a CPI da Covid-19, pedidos de impeachment no Congresso, investigações no Supremo Tribunal Federal e críticas à política ambiental do governo.

"No entanto, a ameaça mais poderosa às esperanças de reeleição de Bolsonaro poderá muito bem ser econômica, mais que jurídica. Os mercados brasileiros despencaram na semana passada devido ao temor de que seus planos de distribuir novos subsídios mensais de US$ 70 aos eleitores mais pobres prejudiquem as finanças já abaladas do país", diz o FT.

O texto ainda afirma que a recuperação econômica do país está vacilando e que pode reverter para queda em 2022, ano em que ele deve tentar a reeleição.


Leia o editoral do Financial Times:


AS FALHAS DE JAIR BOLSONARO VÃO MUITO ALÉM DA PANDEMIA

Poucos presidentes no exercício do mandato enfrentam tantos problemas jurídicos quanto o líder de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro. Uma comissão do Senado recomendou na semana passada que promotores públicos o acusem de nove infrações, incluindo crimes contra a humanidade, por erros no confronto à pandemia.

Mais de 600 mil brasileiros morreram de Covid-19, e o presidente tornou fácil culpá-lo pela magnitude desse número. Suas tentativas de minimizar a pandemia como "uma gripezinha", sua prevaricação sobre as vacinas, sua veemente oposição aos bloqueios e a promoção obstinada de remédios duvidosos forneceram ampla evidência para os críticos.

Bolsonaro considerou o inquérito do Congresso sobre o coronavírus uma "piada", mas o dano à sua reputação já foi feito. Seis meses de depoimentos sobre o manejo inadequado da pandemia por parte do governo, grande parte deles transmitidos ao vivo, reduziram seu índice de aprovação para pouco mais de 20%.

Este é apenas o começo dos problemas do líder brasileiro antes do que promete ser uma luta difícil pela reeleição em outubro de 2022. O aliado próximo de Trump também é o alvo de mais de cem pedidos de impeachment no Congresso brasileiro. O Supremo Tribunal Federal está investigando denúncias de que ele e seus filhos, também políticos, espalharam notícias falsas deliberadamente. Ativistas ambientais querem que o Tribunal Penal Internacional o investigue por crimes contra a humanidade por seu suposto papel na destruição da floresta amazônica.

Independentemente de seus méritos, poucos desses casos têm probabilidade de progredir. O responsável por decidir se vai acusar Bolsonaro pela condução incorreta da pandemia é o procurador-geral Augusto Aras, nomeado pelo próprio presidente. Outro aliado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, está convenientemente retendo todos os pedidos de impeachment. Por sua vez, o STF reluta em provocar uma crise constitucional, levando a julgamento um presidente em exercício.

No entanto, a ameaça mais poderosa às esperanças de reeleição de Bolsonaro poderá muito bem ser econômica, mais que jurídica. Os mercados brasileiros despencaram na semana passada devido ao temor de que seus planos de distribuir novos subsídios mensais de US$ 70 aos eleitores mais pobres prejudiquem as finanças já abaladas do país.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que já foi um guru da ortodoxia fiscal, foi convencido a liberar US$ 14 bilhões a mais no próximo ano para ajudar a financiar a farra de gastos pré-eleitorais. Quatro membros de sua equipe renunciaram por causa dessa decisão; talvez Guedes venha a desejar que os tivesse ouvido com mais atenção. A indisciplina fiscal do governo e o espectro da inflação de dois dígitos já levaram o Banco Central, independente, a aumentar as taxas de juros em 5,75 pontos percentuais desde março, tornando-se o mais agressivo do mundo.

Como resultado, a rápida recuperação econômica do Brasil da pandemia está vacilando; alguns analistas preveem que o crescimento será negativo no próximo ano. O mercado de ações está tendo seu pior desempenho desde 2014, o real enfraqueceu e o prêmio de risco do país subiu.

Bolsonaro venceu as eleições em grande parte porque os brasileiros acreditavam que ele seria um melhor administrador da economia do que a esquerda, cujos 13 anos no poder terminaram em uma grave crise econômica. Alguns eleitores se dispuseram a ignorar sua homofobia, sua obsessão por armas e generais e suas sombrias credenciais ambientais, na esperança de que ele trouxesse prosperidade.

Em vez disso, ao entrar no último ano de seu mandato, Bolsonaro se mostra incapaz de administrar a economia ou a pandemia, e a maior nação da América Latina está pagando um preço alto. Para o Brasil, as eleições de 2022 vão demorar a chegar.

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