‘Excluir a CoronaVac é mais um erro do ministério’, diz presidente do Butantan

Dimas Covas defende a importância da vacina produzida no instituto e critica medidas prematuras de flexibilização

O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas 

Paula Ferreira - O Globo

Presidente do Instituto Butantan, um dos maiores produtores de vacina contra Covid-19 no Brasil, Dimas Covas afirma que, diferentemente do que tem sido especulado, o órgão não vai deixar de lado a produção da CoronaVac. A expectativa é que com a chegada dos dados coletados após a vacinação até meados de novembro, o Butantan solicite o registro definitivo da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A falta de registro definitivo na Anvisa é um dos argumentos do Ministério da Saúde para não contratar mais doses da CoronaVac. Nesta quarta-feira, o secretário Executivo da pasta, Rodrigo Cruz, e a secretária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, se reuniram com Covas para falar sobre o tema. Na conversa, foi atualizado o status da produção de dados para subsidiar o pedido relativo à CoronaVac e também fornecidas informações sobre o desenvolvimento da ButanVac, mas sem avanços quanto a novas contratações. No caso da ButanVac, a expectativa é que o imunizante chegue ao braço dos brasileiros somente no ano que vem.

Em entrevista ao GLOBO, Covas afirma que além dos dois imunizantes já conhecidos, o instituto atua no desenvolvimento de uma terceira vacina que pretende imunizar ao mesmo tempo contra Covid-19 e contra gripe. O pesquisador criticou a postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à vacinação e disse que o Ministério da Saúde erra ao preterir a CoronaVac em sua estratégia de imunização.

Covas critica ainda a discussão sobre fim da obrigatoriedade do uso de máscaras e fala sobre a necessidade de manter medidas de contenção da disseminação do coronavírus.


ENTREVISTA

Qual vai ser o lugar da CoronaVac nos planos do Butantan daqui pra frente? A vacina vai continuar sendo carro-chefe do instituto?
Nós temos duas vacinas, uma em uso, que é a CoronaVac, e uma em desenvolvimento adiantado que é a ButanVac. São vacinas que têm princípios diferentes, que têm imunogenicidades diferentes. E uma pode completar a ação da outra. Então, nesse momento o nosso planejamento é manter a CoronaVac como o carro-chefe, mas futuramente incorporar a Butanvac não só como vacina única, mas também como uma vacina combinada. Nós estamos desenvolvendo um imunizante que combina a vacina da gripe com a da Covid-19 no sentido de disponibilizar uma única vacina que sirva tanto para uma quanto para outra. São planos de médio prazo.

O senhor mencionou o desenvolvimento de vacina única para gripe e Covid-19. Como funcionaria isso?
Prevendo que o coronavírus se tornará possivelmente endêmico, ele não vai desaparecer, decorre dessa suposição a necessidade de uma vacinação anual. E uma vacinação anual que é exatamente a mesma população que recebe a vacina da gripe. Aplicar uma vacina única para Covid-19 e gripe faz todo o sentido. Estamos trabalhando nesse desenvolvimento. É uma vacina diferente e que é possível, porque a tecnologia que produz a vacina da gripe é a mesma tecnologia que produz a ButanVac. Já estamos fazendo testes em animais e trabalhando intensamente nesse desenvolvimento. Primeiro precisamos terminar a ButanVac para na sequência fazer estudos com essa combinação. Em princípio a vacina seria para todas as populações que são elegíveis para a gripe, que é aplicada a partir dos três anos de idade.

Quando a ButanVac estiver pronta para uso vocês pretendem descontinuar a CoronaVac?
O mundo nesse momento precisa de vacinas. Pouco mais de três por cento das populações dos países pobres foi vacinada até momento. Existe ainda uma incerteza sobre como o coronavírus vai se comportar nos meses seguintes, no próximo ano. Então nós temos que ter à mão todas as vacinas disponíveis. O Butantan manterá a CoronaVac. Estamos nesse momento num processo de planejamento para o fornecimento da CoronaVac para outros países. Estamos aguardando um posicionamento da Organização Pan-Americana de Saúde. Então o plano é atender a América Latina com a CoronaVac enquanto não tivermos a ButanVac, que é uma vacina de custo menor. A ButanVac é muito atrativa do ponto de vista da sua ação imunogênica e permitirá a produção de grandes volumes que poderão ser enviadas através de mecanismos internacionais, como o próprio Covax Facility (da Organização Mundial de Saúde), para os países mais pobres. Dois mil e vinte e dois será um ano em que o mundo ainda vai necessitar de muita vacina e o Butantan está se preparando para fazer parte desse movimento global de combate à pandemia. A pandemia nesse momento é ainda grave e está acometendo muitas pessoas, e nós precisamos dar uma contribuição ao mundo.

Vocês já têm negociações fechadas com países para venda da CoronaVac?
Estamos com negociação com alguns países e também abrimos essa conversa com a Opas. Estamos também aguardando um um pronunciamento da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em relação à autorização dessa vacina pra todo continente europeu. Recebemos aqui no Butantan uma comissão de inspetores da EMA visitando as instalações para fornecer elementos para essa análise. Não vou te dizer exatamente quais são esses países, mas temos quatro países nessa fase adiantada de negociação e que agora estamos acertando detalhes. Inclusive, há um país da África com uma solicitação de quatro milhões de doses que estamos vendo a possibilidade de fornecimento.

O governo brasileiro disse que não tem planos por enquanto de adquirir mais doses da Coronavac, e usa como argumento a falta de registro definitivo na Anvisa. Por que o Butantan ainda não solicitou registro definitivo?
O Ministério da Saúde erra ao descartar uma vacina. Como eu mencionei, nós não sabemos ainda o que vai acontecer com essa pandemia. A necessidade de revacinação já é hoje quase certa. Na minha opinião isso vai se estender à toda população. Temos ainda a questão de uso pediátrico. A CoronaVac é a vacina mais segura entre todas que estão sendo utilizadas para todas as populações, mas especialmente para a população de 3 a 17 anos. Então estamos também aguardando o pronunciamento da Anvisa no sentido de que autorize o uso dessa vacina nessa população. No caso do registro definitivo existe ainda uma pendência em relação a dados posteriores à vacinação, os dados de imunogenicidade. Estamos providenciando e tão logo estejam disponíveis vamos formalizar o pedido de registro definitivo. Esses dados estão na iminência de chegar, são exames que estão sendo feitos na China e estamos aguardando para meados desse mês.

Há conversas com o governo brasileiro sobre aquisição de mais doses?
Não há nenhuma formalização, mas nós temos mantido conversas com o governo.

O senhor disse que já há andamento de contratos com outros países, caso o governo brasileiro decida comprar mais doses da CoronaVac há essa possibilidade?
Estamos absolutamente abertos ao Brasil e a qualquer outro interessado nessa vacina. E volto a dizer: é necessária uma grande quantidade de vacinas para o mundo e para o Brasil. Então nós estamos aqui para atender nossa missão que é estar sempre a serviço da vida e nunca a serviço da ideologia, da política ou do discurso negacionista.

O fato de o presidente Bolsonaro se recusar a se vacinar teve impactos na vacinação no país?
Se fosse só o fato de ele se recusar a se vacinar estaria de bom tamanho, mas na realidade, o presidente fez uma campanha contra a vacinação. Não só se recusando (a se vacinar), como dizendo, muitas vezes, que as vacinas eram prejudiciais e que não deveriam ser obrigatórias. Houve uma ação do presidente da República contra as vacinas.

O primeiro pedido do Butantan para autorizar utilização da CoronaVac em crianças e adolescentes acabou sendo rejeitado. Qual a perspectiva daqui para frente?
Estamos agregando dados àquele pedido inicial. Essa vacina é a mais usada nessa população nesse momento. Setenta milhões de crianças e adolescentes já foram vacinados com essa vacina. O Chile já está vacinando, a Colômbia já está vacinando. Outros países importantes, como a África do Sul. O Brasil obviamente tem todos os elementos para tomar essa decisão o mais rapidamente possível.

Em relação à ButanVac, o governador João Doria chegou a anunciar que ela seria aplicada em outubro, mas isso não aconteceu. Por que o processo demorou mais do que o esperado?
São dois entraves: o primeiro foi a demora na autorização do início do estudo clínico. O segundo foi que quando fomos autorizados esbarramos no problema dos voluntários, porque já estava em campanha a vacinação para o público de dezoito anos ou mais e nós ficamos tivemos dificuldade de arregimentar voluntários. Nesse momento estamos na fase de análise dos resultados e já fazendo uma proposta para continuidade do estudo. Então esperamos muito brevemente poder executar a segunda fase do estudo. Essa com uma população já vacinada. Esperamos ter essa possibilidade ainda esse ano.

Vocês tiveram de fazer uma remodelagem no estudo?
Estamos em posse dos resultados iniciais e com base nesses dados vamos propor a segunda fase que está sendo remodelada para incluir pessoas já vacinadas com duas doses. Quando foi aberto o estudo a população acima de dezoito anos já estava com data de vacinação agendada, aí foi uma questão convencer essas pessoas a entrarem no estudo.

Pelo passo do desenvolvimento da ButanVac, qual a perspectiva para que ela esteja no braço do brasileiro?
A vacina está produzida. Então, não temos o gargalo da produção, que é integralmente feita aqui no Butantan. Nós já temos o correspondente a mais de dez milhões de doses produzidas. Agora, ficamos na dependência dos resultados dos exames clínícos que estão sendo feitos aqui no Brasil e também na Tailânda e no Vietnam. O progredir dessa segunda fase do estudo vai determinar a velocidade com que serão gerados dados pra subsidiar uma autorização de uso pela Anvisa. Em 2021 não teremos a possibilidade, mas no primeiro semestre de 2022 rezo aos deuses que nos ajudem, juntamente com a Anvisa, a conseguir isso.

Há possibilidade de que o Butantan celebre um contrato de encomenda tecnológica com o Ministério da Saúde para produção e aquisição da ButanVac?
Existe a possibilidade. Foi feita uma conversa muito inicial em relação a esse tópico, mesmo porque os estudos estão em andamento, mas à medida que os estudos vão progredindo essas conversas poderão ser aprofundadas. Só há explorações iniciais do assunto.

O fato de o Ministério da Saúde ter investido em outras vacinas, principalmente para dose de reforço, e ter deixado de lado novas aquisições da CoronaVac afetou o protagonismo do Butantan nesse cenário?
Não, pelo contrário, eu acho que afetou a credibilidade do ministério. O ministério demonstra mais uma vez que não está preparado adequadamente para o enfrentamento da pandemia. Houve erro do ministério, poderíamos ter adiantado muito a vacinação. Felizmente, estamos tendo um controle da pandemia e essa variante Delta não trouxe grandes estragos aqui para o Brasil, mas quanto mais disponibilidade de vacinas para vacinar mais rapidamente a população, melhor. Nós temos que sempre ser proativos e nunca podemos ser reativos. Eu acho que é mais um erro do ministério entre tantos que foram cometidos durante esse combate à pandemia.

Como o senhor enxerga daqui para frente a pandemia? Está perto de acabar ou vai apenas mudar de figura?
Essa pandemia nos ensinou um fato fundamental: aprendemos com ela no dia a dia. No momento em que a pandemia aqui no Brasil está mostrando sinais de arrefecimento como na Europa já tinha mostrado, a Alemanha anuncia que teve recorde de casos. Então isso acende uma luz vermelha que nunca deveria ter sido apagada. Temos que olhar essa pandemia no dia a dia. Temos que olhar pra ela com base nos dados e não no que nós acreditamos. No Brasil, as medidas de contenção ainda são absolutamente necessárias. O uso de máscara, o distanciamento físico quando é possível, porque nós não sabemos exatamente como é o futuro. Temos que evoluir, mas evoluir com segurança. Nós não podemos entrar em discussões como é essa que está acontecendo no Brasil sobre a abolição do uso das máscaras. Não faz sentido nesse momento. Lembrando uma máxima do futebol: em time que está ganhando não se mexe. Estamos ganhando a batalha nesse momento, não é um momento de fazer grandes alterações que possam influenciar no comportamento da transmissão viral. Temos que ir com muita calma.

Comentários