Ex-procuradores-gerais lançam manifesto para condenar fake news de Bolsonaro sobre a urna eleitoral

Essa é a primeira vez que ex-titulares da PGR e da PGE assinam carta em conjunto


Mônica Bergamo - Folha.com

Ex-procuradores-gerais da República assinaram em conjunto, pela primeira vez, um documento em que atestam que jamais houve fraude no sistema eleitoral em vigor no Brasil. O gesto ocorre após sucessivos ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) às urnas eletrônicas nos últimos dias.

"Insinuações sem provas, que pretendem o descrédito das urnas eletrônicas, do voto e da própria democracia, devem ser firmemente repelidas em defesa da verdade e porque contrariam a expectativa de participação social responsável pelo fortalecimento da cidadania", afirmam em carta.

Os signatários ocuparam o posto de procurador-geral Eleitoral entre 1981 e 2019. São eles Inocêncio Mártires Coelho, Sepúlveda Pertence, Aristides Junqueira, Claudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel, Rodrigo Janot e Raquel Dodge.

"Em todas as eleições brasileiras sob o sistema de urnas eletrônicas jamais houve o mais mínimo indício comprovado de fraude. Tivesse havido, o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral teriam atuado prontamente, coerentes com a sua história de enfrentamento de qualquer ameaça à lisura dos pleitos", seguem.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disparou uma nova rodada de ameaças contra o processo democrático brasileiro e, sem apresentar nenhuma prova, afirmou que a fraude eleitoral está no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro ainda atacou o presidente da corte eleitoral e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, a quem chamou de "idiota" e "imbecil".

"A fraude está no TSE, para não ter dúvida. Isso foi feito em 2014", declarou o mandatário, repetindo a acusação infundada de que o então candidato Aécio Neves (PSDB) teria vencido o pleito contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

A afirmação de Bolsonaro foi contestada pelo próprio Aécio, que disse não acreditar que tenha existido fraude naquela eleição.

O presidente tem feito repetidas ameaças contra as eleições, numa radicalização de discurso que coincide com pesquisas de opinião que apontam o aumento de sua rejeição e o favoritismo de Lula no pleito de 2022.

A principal estratégia do presidente é questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.

O próprio Bolsonaro foi eleito para o Legislativo usando o sistema em diferentes ocasiões, assim como venceu o pleito para o Palácio do Planalto em 2018 da mesma forma.

Bolsonaro defende a adoção do voto impresso —segundo ele, auditável. Tramita no Congresso uma proposta nesse sentido, mas a ideia conta com oposição de uma coalizão de partidos, alguns deles da própria base de Bolsonaro.

No início deste ano, após a invasão do Capitólio nos Estados Unidos por apoiadores extremistas de Donald Trump que contestavam o resultado das eleições presidenciais, Bolsonaro disse que, se não houver voto impresso em 2022, ou uma maneira de auditar o voto, haverá no Brasil “problema pior do que nos Estados Unidos”. ​

Leia, abaixo, a carta dos ex-procuradores em defesa do sistema eleitoral :

EM DEFESA DA VERDADE E DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO TESTEMUNHO DE PROCURADORES-GERAIS ELEITORAIS

A democracia brasileira, reerguida pela sociedade civil e pelas instituições públicas, tem se beneficiado intensamente da atuação do sistema de justiça eleitoral, com especial destaque para as urnas eletrônicas, que operam com absoluta correção, de modo seguro e plenamente auditável. São fiscalizadas pelo Ministério Público Eleitoral, por partidos políticos, pela OAB e pela sociedade civil, antes, durante e após as eleições. 

O Ministério Público Eleitoral, integrado por Procuradores(as) da República e Promotores(as) de Justiça em todo o país, liderados pelo Procurador-Geral da República na função de Procurador-Geral Eleitoral, exerce com inegável zelo o dever constitucional de defender a democracia e, por isso mesmo, faz permanente e cuidadoso trabalho de fiscalizar a segurança e a inviolabilidade do sistema de votação eletrônico. 

Dando cumprimento a esta relevantíssima missão constitucional, em 2011 e em 2018, os respectivos Procuradores-Gerais da República pediram ao Supremo Tribunal Federal que declarasse a inconstitucionalidade de leis que obrigavam a impressão do registro do voto e, assim, afrontavam os direitos constitucionais do eleitor ao voto secreto e à liberdade do voto. Nestas duas ações diretas de inconstitucionalidade, a decisão do STF foi unânime, invalidando na ADI 4543 o artigo 5º da Lei 12.034/09 e na ADI 5889 o artigo 59-A e parágrafo único da Lei 9504/97, na redação da Lei 13.165/2015. 

Em todas as eleições brasileiras sob o sistema de urnas eletrônicas jamais houve o mais mínimo indício comprovado de fraude. Tivesse havido, o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral teriam atuado prontamente, coerentes com a sua história de enfrentamento de qualquer ameaça à lisura dos pleitos.

Insinuações sem provas, que pretendem o descrédito das urnas eletrônicas, do voto e da própria democracia, devem ser firmemente repelidas em defesa da verdade e porque contrariam a expectativa de participação social responsável pelo fortalecimento da cidadania. 

Brasília, 12 de julho de 2021 

RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE 
Procuradora-Geral Eleitoral de 18/9/2017 a 17/9/2019

RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS 
Procurador-Geral Eleitoral de 17/9/2013 a 17/9/2017 

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS 
Procurador-Geral Eleitoral de 22/7/2009 a 15/8/2013 

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA 
Procurador-Geral Eleitoral de 30/6/2005 a 28/6/2009

CLÁUDIO LEMOS FONTELES 
Procurador-Geral Eleitoral de 30/6/2003 a 29/6/2005

ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA 
Procurador-Geral Eleitoral de 20/6/1989 a 28/6/1995 

JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE 
Procurador-Geral Eleitoral de 15/3/1985 a 17/5/1989 

INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO 
Procurador-Geral Eleitoral de 11/6/1981 a 15/3/1985

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