Justiça condena governo Bolsonaro a pagar multa e fazer campanha após ofensas de presidente a mulheres

União terá que pagar R$ 5 mi por danos morais e promover campanha de R$ 10 mi em razão de falas do presidente e de ministros

ministra Damares Alves e Bolsonaro


Tayguara Ribeiro - Folha.com

A Justiça condenou o governo federal a pagar uma multa por danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões por ofensas contra as mulheres em declarações públicas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro e por outros membros da atual gestão.

A decisão também condenou a União a realizar campanhas de conscientização sobre problemas sociais enfrentados pelas mulheres no Brasil, como violência doméstica e assédio sexual, no valor de R$ 10 milhões.

Além das declarações do presidente, a Justiça Federal também levou em consideraçao para tomar a decisão falas em diversas situações, desde o início do governo, feitas pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves; pelo ministro da Economia, Paulo Guedes; pelo ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo; e pelo deputado Federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Segundo a decisão, as declarações constituem abuso da liberdade de expressão no desempenho do poder estatal e afronta aos deveres basilares no desempenho das atribuições de seus cargos.

A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em agosto do ano passado. O órgão entrou com a ação por considerar que "desde o início da atual gestão, integrantes da cúpula do governo federal já proferiram uma série de declarações e atos administrativos que revelam um viés preconceituoso e discriminatório contra o público feminino, reforçando estigmas e estimulando a violência".

Na decisão divulgada nesta quarta-feira (23), a juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, afirma que "se as expressões utilizadas, por si só, são dignas de espanto e repúdio, assumem ainda maior gravosidade quando inseridas no contexto fático e social em que se situam as cidadãs brasileiras, de intensa desigualdade e privação".

Ainda segundo a magistrada, "não se mostra crível que ocupantes de altos cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, a quem compete institucionalmente o estabelecimento de políticas públicas para a promoção da igualdade, da isonomia, da harmonia e da paz entre os cidadãos, façam uso de seus cargos para investir contra parcelas da população historicamente inseridas em situação de hipossuficiência social".

A juíza determinou o bloqueio imediato de verbas do Orçamento da União como forma de garantia de implementação das obrigações determinadas na sentença. No caso do valor da multa de R$ 5 milhões, o dinheiro deverá ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Entre as declarações do presidente Jair Bolsonaro consideradas danosas está uma entrevista a jornalistas, em abril de 2019, na qual ele afirma que “o Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro".

Também consta da sentença o insulto do presidente contra a repórter da Folha Patrícia Campos Mello. “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo! A qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada, em fevereiro de 2020.

A palavra “furo” é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva. Em março deste ano, uma juíza da 19ª Vara Civil de São Paulo condenou Bolsonaro a indenizar a jornalista em R$ 20 mil por danos morais.

Outra frase do presidente utilizada como parametro para a decisão ocorreu em julho de 2019, em declaração à jornalistas. “Daí eu convidei (...) pra voar aqui e na Europa. Se tiver um hectare de floresta (devastada), vocês têm razão. Essa é a grande realidade. O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer. Desculpem aqui as mulheres aqui tá?”

Em relação ao ministro da Economia Paulo Guedes, uma das frases dele que constam na ação ocorreu em setembro de 2019.

“Eu estou vendo progresso em várias frentes, mas a preocupação é: xingaram a Bachelet, xingaram a mulher do Macron, chamaram a mulher de feia. ‘Ah, o Macron falou que estão botando fogo na floresta brasileira, o presidente devolveu. Falou que a mulher dele é feia’. Tudo bem, é divertido. Não tem problema nenhum, é tudo verdade, o presidente falou mesmo. E é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo”, disse Guedes, na ocasião.

Já a fala de Damares Alves considerada ofensiva pela Justiça de SP ocorreu na audiência da Comissão de Defesa dos Direitos e da Mulher na Câmara dos Deputados em abril de 2019.

“A mulher deve ser submissa. Dentro da doutrina cristã, sim. Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro da minha igreja, dentro da minha fé. […] Que deputada linda. Só o fato de você estar no parlamento. Não precisava nem abrir a boca. Só o fato de você estar aqui, já diz pra jovens lá fora, elas também podem chegar aqui”, disse a ministra.

A Folha procurou a assessoria de imprensa do governo Bolsonaro, mas ainda não obteve resposta.

Comentários