CPI da Covid: Doutora Luana Araújo diz que tratamento precoce é como pular de 'borda da terra plana'

Para infectologia, Brasil está na 'vanguarda da estupidez mundial'

A médica Luana Araújo
Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

Em depoimento à CPI da Covid, nesta quarta-feira, 2, a médica infectologista Luana Araújo afirmou que o debate sobre o chamado tratamento precoce, com uso de cloroquina, para o coronavírus é “indevido, sem cabimento e sem lógica”. Luana foi convidada para comandar a recém-criada Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, vinculada ao Ministério da Saúde, mas acabou não assumindo o cargo por falta de alinhamento ao governo.

Para Luana, a discussão sobre o uso de cloroquina ou outros medicamentos sem comprovação científica para tratar covid é “delirante, esdrúxula, anacrônica, contraproducente” e não merece atenção. “É como se estivéssemos discutindo de que borda da terra plana vamos pular”, comparou. “Não tem lógica.”

Acompanhada do pai José Carlos Araújo, que é médico e advogado, Luana prestou um depoimento considerado técnico, durante seis horas e meia, e não se furtou a usar palavras fortes para apontar erros do governo na condução da pandemia. “Quando disse, há um ano atrás, que estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu, infelizmente, ainda mantenho isso em vários aspectos. Porque nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento”, afirmou ela.

Convidada pelo ministro Marcelo Queiroga para assumir a nova secretaria, Luana teve o nome anunciado em 12 de maio. Em discurso naquele dia, a médica declarou que iria adotar medidas para combater o coronavírus com base em evidências científicas e se solidarizou com os parentes das vítimas da doença. Dez dias depois, no entanto, Queiroga disse que Luana não assumiria mais a pasta. Questionado se a saída da médica seria por pressão do Palácio do Planalto, o ministro negou. “Esse é um assunto que considero encerrado”, respondeu.

Aos senadores, Luana disse acreditar que o veto a seu nome não partiu de Queiroga. Ela evitou responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro pela decisão, mas admitiu que uma "polarização política" impede que bons profissionais trabalhem no governo federal. "Não foi me dado nenhum tipo de justificativa, mas entendi que a coisa estava se arrastando e que não iria acontecer", observou. “Meu nome não passaria pela Casa Civil."

Em vários momentos, a médica ironizou observações de senadores governistas que a questionaram sobre a eficácia do tratamento precoce com substâncias não recomendadas para o combate à covid. O senador Luiz Carlos Heinze (Progressistas-RS) disse que 28 países usam o tratamento como modo de lidar com o coronavírus. Luana, então, minimizou o número diante da realidade mundial: "São mais de 200 países, senador".

Ao responder a Marcos Rogério (DEM-RO), vice-líder do governo, a infectologista declarou ser contra o uso de cloroquina para tratar covid. “Se eu pegar essa placa, essa cultura viral e botar no microondas, senador, os vírus vão morrer. Mas não é por isso que eu vou pedir para o paciente entrar no forno duas vezes por dia", declarou.

Um estudo conduzido no ano passado pelo médico francês Didier Raoult indicava a hidroxicloroquina no tratamento contra o coronavírus. A pesquisa foi citada na sessão por Heinze e por Marcos Rogério. Ao responder Heinze, Luana disse: "Eu gostaria de perguntar se o senhor já ouviu falar no prêmio chamado Rusty Razor, que o doutor Didier Raoult ganhou ano passado”. O senador afirmou desconhecer o prêmio. "Eu recomendo aí uma checagem nesse sentido", replicou a médica. O Rusty Razor é uma sátira e ficou conhecido por “homenagear” aqueles que promovem desinformação no meio científico.

A pesquisa do médico francês foi questionada por entidades médicas por causa da metodologia usada e pelo número reduzido de pacientes incluídos no estudo. Raoult publicou carta no site do Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia da França na qual admitiu que o medicamento não reduz a mortalidade.

Depois de testes realizados a pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cloroquina foi apontada como ineficaz no combate ao vírus, além de poder causar efeitos colaterais adversos, como arritmia cardíaca. O argumento do governo federal é que o coronavírus ainda é uma doença pouco conhecida e, portanto, Bolsonaro não pode ser culpado por recomendar medicamentos. O presidente passou a fazer propaganda da cloroquina logo no início da pandemia, em março de 2020, após gesto similar do americano Donald Trump.

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