CPI da Covid: Críticas de Bolsonaro à vacinação vão ‘contra o que a Anvisa preconiza’, diz Barra Torres

O diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também confirmou o depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta de que o governo queria incluir o combate ao coronavírus como utilidade da cloroquina

O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, presta depoimento à CPI da Covid 
Foto: Gabriela Biló/ Estadão

Lauriberto Pompeu e Amanda Pupo - Estadão

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, criticou nesta terça-feira, 11, declarações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação da covid-19, que, na sua visão, vão “contra o que a Anvisa preconiza”. O comentário foi uma resposta à pergunta do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que indagou Barra Torres sobre falas do Bolsonaro de que as vacinas podem transformar pessoas em “jacaré”, fazer as mulheres terem barba e homens ficarem com a voz fina.

“O presidente disse que não compraria vacinas da China, chamou a Coronavac de vacina chinesa do (governador de São Paulo) João Doria, ao dizer que o governo não as compraria. Comemorou com a frase ‘mais um que Jair Bolsonaro ganha’ a suspensão temporária dos Estudos de fase 3 da Coronavac em razão da morte um voluntário que na verdade tinha se suicidado. Disse que a vacinação não seria obrigatória em seu governo”, destacou Renan Calheiros.

Após relatar as polêmicas declarações de Bolsonaro, o relator da CPI questionou Barra Torres sobre qual o impacto do posicionamento do chefe do Executivo em relação à vacinação no Brasil.

“Todo o texto que Vossa Excelência leu vai contra o que temos preconizado em todas as manifestações públicas, pelo menos aquelas que eu tenho feito, e do que eu tenho conhecimento do que os diretores e funcionários da Anvisa têm feito. Entendemos, ao contrário do que o senhor acabou de ler, que a política de vacinação é essencial. Entendemos também que não é o fato de vacinar que vai abrir mão de máscara e álcool em gel imediatamente, não vai acontecer”, afirmou o diretor da Anvisa durante depoimento na CPI da Covid.

Barra Torres também confirmou o depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta de que o governo queria incluir o combate ao coronavírus como utilidade da cloroquina. De acordo com o chefe da Anvisa, a responsável pela sugestão foi a médica Nise Yamaguchi.

“Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação, confesso até um pouco deseducada e deselegante, minha reação foi muito imediata de dizer que aquilo não poderia ser porque, talvez não seja do conhecimento de Vossas Excelências, só quem pode modificar uma bula de medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, mas desde que citada pelo detentor do registro”, afirmou Barra Torres.

“Vamos trocar isso em miúdos. O laboratório X fabrica o remédio e descobre, através de estudos clínicos, que aquele remédio tem uma outra utilização. Isso representa benefício para a sociedade obviamente e ganho de dinheiro para aquele laboratório. Ele anexa um pesado dossiê de estudo clínico comprobatório que aquela indicação é aprovada, dá entrada na agência reguladora do país e solicita alteração de bula por inclusão, supressão ou ajuste. Quando houve uma proposta de uma pessoa física para fazer isso, isso me causou uma ação um pouco mais brusca”, explicou.

Na semana passada, Mandetta atribuiu ao presidente Jair Bolsonaro responsabilidades pela disseminação do novo coronavírus no País e, consequentemente, por mais mortes causadas pela doença. Em um depoimento que durou sete horas e meia, o ex-ministro disse que a Presidência chegou a avaliar um decreto que incluiria na bula da cloroquina a recomendação para tratar covid-19.

‘Tratamento precoce’.

Para Barra Torres, o “tratamento precoce” para a covid-19 não contempla o uso da cloroquina, e sim testagem e diagnóstico.

“Minha posição sobre tratamento precoce da doença não contempla essa medicação, por exemplo, não completa, e contempla sim a testagem e o diagnóstico precoce e obviamente a observação de todos os sintomas que a pessoas pode ter e tratá-los, combatê-los o quanto antes”, afirmou o presidente da Anvisa.

Barra Torres também comentou que, no Brasil, ainda está em aberto um estudo que avalia dados de uso da cloroquina em casos leves de covid. “Ele tem previsão de acabar 31 de dezembro do corrente ano. Até o presente momento no mundo todos os estudos apontam a não eficácia comprovada em estudos ortodoxamente regulados, ou seja, placebo controlado, duplo cego e randomizados, então até o momento as informações vão contra a possibilidade do uso na covid-19”, relatou o presidente da Anvisa.

Durante o depoimento, o o presidente da Anvisa ainda disse que o órgão e seus servidores ficaram ofendidos com as declarações feitas pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), no início do ano. “Ouvir que não estão nem aí foi muito ruim. Não sou capaz de qualificar o quão ruim foi”, disse Barra Torre

Em fevereiro, Barros, que foi ministro da Saúde durante o governo Temer, afirmou ao Estadão que iria pressionar politicamente a diretoria da Anvisa a eliminar exigências e agilizar a aprovação de vacinas contra a covid-19. O líder de Bolsonaro afirmou que os diretores da Anvisa estariam “fora da casinha” e “nem aí” para a pandemia.

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