'Uma grande vitória da ciência', editorial do Estadão

A aposta na ciência quase sempre dá resultado, às vezes mais rápido do que se espera, como foi o caso das vacinas contra a covid-19


O Estado de S.Paulo

O Instituto Butantan anunciou na sexta-feira que desenvolveu uma vacina 100% nacional contra a covid-19. O imunizante passará por fase de testes e, se tudo correr bem, poderá estar disponível já em julho. Embora o desenvolvimento da vacina ainda não esteja completo, a simples notícia de que o Brasil está às portas de conseguir um imunizante fabricado no País, que não depende de insumos e tecnologia estrangeiros e, portanto, será mais barato e mais fácil de produzir, é uma imensa vitória da ciência nacional.

Em tempos tão sombrios, em que a ciência é tratada como inimiga pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus fanáticos seguidores, a informação de que os cientistas brasileiros do Butantan foram capazes de desenvolver uma vacina para enfrentar a maior catástrofe sanitária da história recente é um grande alento. Nem tudo no Brasil foi engolfado pela loucura bolsonarista.

Horas depois do anúncio feito pelo governo de São Paulo de que a vacina, batizada de Butanvac, está ao nosso alcance, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, após reunião com o presidente Bolsonaro, convocou uma entrevista coletiva para anunciar que o governo federal também está em vias de desenvolver uma vacina. No rápido comunicado, o ministro deu escassos detalhes sobre o assunto. Não soube dizer nem o nome do imunizante nem qual é exatamente o laboratório que o está produzindo, algo comum num governo que parece fazer tudo de improviso. Disse que foi apenas “coincidência” o seu anúncio ter ocorrido horas depois do comunicado do Instituto Butantan.

Ao agir assim, o governo Bolsonaro dá ares de revanche a uma notícia que, caso se confirme, é tão importante quanto a divulgada pelo governo de São Paulo. E isso não surpreende. No discurso que fez recentemente em rede nacional, o presidente teve o atrevimento de dizer que a Coronavac, vacina produzida no Butantan em parceria com um laboratório chinês, está sendo distribuída graças às “ações que tomamos logo no início da pandemia”. É ofensivo que um presidente que desde o início da pandemia sabotou os esforços para enfrentá-la e que desprezou a “vacina chinesa” de São Paulo venha agora requerer o reconhecimento como líder do combate à doença e tomar do governo paulista os louros pelo sucesso na produção daquele que é hoje o principal imunizante do País.

Não fosse pelo governo de São Paulo, é sempre bom frisar, a maioria dos brasileiros que hoje estão imunizados ainda estaria esperando por uma vacina, e os mais desesperados estariam recorrendo aos elixires inócuos – e perigosos – propagandeados por Bolsonaro.

Assim, o feito da ciência brasileira, com a possível vacina produzida inteiramente pelo Butantan, tem nome e sobrenome: resulta de investimento do governo de João Doria, que nesse processo teve de enfrentar a hostilidade sistemática do governo federal.

A aposta na ciência quase sempre dá resultado, às vezes mais rápido do que se espera, como foi o caso das vacinas contra a covid-19. O desenvolvimento de imunizantes normalmente leva anos para ser concluído, mas a atual pandemia mudou esse paradigma: a urgência acelerou o processo de forma espantosa, e hoje há uma centena de pesquisas em desenvolvimento, algumas já bem-sucedidas.

Em várias partes do mundo, cientistas e autoridades públicas se uniram na busca da tão necessária vacina, diante dos estragos inéditos causados pelo coronavírus à vida e à economia. Em São Paulo, o governo estadual, que teve a sabedoria de ouvir os especialistas assim que a pandemia começou, investiu na compra de uma vacina e de sua tecnologia. Ao mesmo tempo, sabendo que o Instituto Butantan tem expertise na produção de imunizantes, apostou também no desenvolvimento de uma vacina própria, processo iniciado há um ano, segundo informou Dimas Covas, presidente do instituto.

“É um momento de profunda esperança para todos nós”, disse o governador Doria. Esperança não somente de que uma vacina nacional ajude a imunizar os brasileiros o mais rápido possível, mas também de que a ciência derrote de vez o obscurantismo que nos assombra desde que Bolsonaro chegou ao poder.

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