O que faz São Paulo crescer?

Orquestrada pelo ex-ministro Henrique Meirelles, economia paulista engata a primeira e cresce 0,3% em 2020, ano em que o Brasil encolheu cerca de 4,4%.

Henrique Meirelles e João Doria

Jaqueline Mendes e Paula Cristina - ISTOÉ Dinheiro

Olha ele aí de novo. É só chamar que o homem vem. Quando bate o desespero, meu amigo não tem erro, esse homem é ligeiro, é só chamar que ele vem…” Um dos trechos do jingle da campanha de Henrique Meirelles à presidência da República, em 2018, enfatizava as habilidades do economista, ex-presidente do Bank Boston, do Banco Central e ex-ministro da Fazenda. Uma das marcas de sua carreira era a capacidade singular de resolver problemas, apagar incêndios e gerenciar crises econômicas. Qualquer semelhança com a realidade de hoje no País não é mera coincidência. À frente da economia paulista e braço-direito do governador João Doria, Meirelles é o nome mais chamado no gabinete principal do Palácio dos Bandeirantes, de onde ajuda a definir os rumos do estado mais populoso, mais industrializado e que responde por 32% da economia nacional.

Como já comprovou o ex-presidente Lula, que convidou Meirelles para trocar o Bank Boston pelo Banco Central, chamar o goiano nascido em 1945, em Anápolis, é algo que dá resultado. A despeito da crise causada pela pandemia da Covid-19 e da inevitável paralisação da atividade econômica durante meses, São Paulo se descolou do Brasil e registrou crescimento de 0,3% em 2020, de acordo com dados preliminares do estudo PIB +30, da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). No mesmo período, o Produto Interno Bruno (PIB) do Brasil encolheu cerca de 4,4%, segundo projeção do Banco Central. Os números oficiais serão divulgados apenas em maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Considerando apenas o terceiro trimestre de 2020, período com números já consolidados, São Paulo cresceu 9,4%, contra 7,7% do PIB brasileiro. O que faz o estado crescer acima da média? O teorema de Meirelles consiste, basicamente, em manter um cenário favorável ao investimento. A primeira etapa desse processo tem sido a desburocratização, especialmente com foco na agilização dos processos de registros e de abertura e fechamento de companhias, até a simplificação tributária. Segundo Meirelles, a Secretaria da Fazenda criou uma força-tarefa para acelerar a digitalização dos procedimentos tributários.

Em outro front, o governo acelerou a abertura de licitações para o investimento nacional e internacional de capital privado na infraestrutura. “Temos uma série de licitações já programadas. Uma delas de grande porte e sucesso feita em 2020 foi a maior concessão rodoviária da história do País, a estrada Piracicaba-Panorama”, afirmou Meirelles à DINHEIRO. A licitação foi vencida por um consórcio internacional com investidores como o Fundo Soberano de Singapura. Na avaliação de Sérgio Mendes Sá, doutor em macroeconomia e docente brasileiro na Universidade de Oxford, a postura do governo de São Paulo destoa de outras gestões, inclusive dentro do próprio PSDB. “Acredito que haja uma força-tarefa mais clara com o objetivo de atrair recursos”, disse. O acadêmico, que leciona desenvolvimento regional da América Latina, afirmou que há muito interesse internacional em ativos brasileiros, mas eles esbarram na burocracia inserida nos próprios estados. “O primeiro passo é se aproximar. E isso significa chegar ao investidor, abrir escritórios e buscar negócios, não apenas esperar que eles batam à porta.”


MISSÕES INTERNACIONAIS 

Segundo Meirelles, esse movimento já acontece desde 2019 em São Paulo. O governador Doria e ele estiveram em diversas regiões do mundo para uma série de visitas. “Tivemos extensas conversas com acionistas de grandes empresas e investidores em geral, apresentando os projetos de São Paulo e as oportunidades de investimentos”, afirmou. Em Munique, na Alemanha, o governo paulista prevê abrir um escritório da agência de fomento InvestSP, assim como já fez em Xangai (China) e em Dubai (Emirados Árabes).

COM DÓRIA EM DUBAI 
João Dória e Henrique Meirelles celebram abertura de escritório de Estado nos Emirados Arábes em fevereiro de 2020. Plano do governo é atrair US$ 30 bi em investimentos

Para sustentar a atratividade mesmo em tempos de pandemia, Meirelles encabeçou a criação do plano Retomada 21/22, que passa por medidas de investimentos em infraestrutura e incentivo à geração de emprego e renda (confira os detalhes no infográfico). “O melhor programa social é a geração de emprego”, afirmou. Faz parte desse programa a criação de 14 polos de produção baseados no conceito americano de clusters, que coloca na mesma região empresas do mesmo segmento. A ideia é facilitar a logística da cadeia de suprimentos e o acesso a mão de obra especializada. O resultado, segundo o secretário, será sentido já este ano. “Com a vacinação, prevemos um crescimento de mais de 5% para 2021, o que é um resultado forte para um ano de retomada”, disse.

Defensor de que cada estado faça sua gestão para crescer sem depender da União, Meirelles afirmou que existe uma limitação definida pela estrutura federalista do País. Os governos estaduais não podem emitir títulos da dívida. Em função disso, o estado tem que se ater rigorosamente à sua capacidade arrecadatória. “É um ponto importante a ser levado em conta, principalmente em momentos de crise como esta pandemia, em que o setor público tende a ter déficits.” Na visão dele, sem a possibilidade de emissão, caberá aos governadores e seus secretários criarem soluções para enxugar custos e garantir espaço no orçamento para que a máquina pública não pare.

O compromisso com a redução de gastos rendeu a Meirelles resultados positivos em todos os seus cargos públicos. Mesmo assim, não o ajudou em sua maior pretensão política, a de ser presidente da República. Dono da segunda maior fortuna entre os candidatos na última corrida eleitoral (atrás apenas de João Amoedo, do Partido Novo), os ex-banqueiro teve apenas 1,2% dos votos no primeiro turno, menos de 1,3 milhão de eleitores. Agora, outro fator tem pesado na imagem de Meirelles: a alta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), anunciada em plena crise econômica. Em janeiro, Doria determinou o fim da isenção e dos benefícios de redução do imposto a uma lista formada por uma centena de produtos que pagavam uma alíquota menor que o padrão do estado, de 18%. São desde artigos industriais, como peças e equipamentos, até móveis, materiais de construção, calçados, combustíveis, artigos de higiene e de saúde, além de alguns alimentos, como carnes e queijos. Pelos cálculos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a medida deve provocar alta no preço final para consumidores que pode chegar a 13,6%. A entidade está tentando derrubar a medida na Justiça. “A medida foi uma decepção para os contribuintes do estado”, afirmou a Fiesp.

“Temos uma série de licitações já programadas. Uma delas, de grande porte e sucesso, feita em 2020, foi a maior concessão rodoviária da história do País”

Coordenador do programa de políticas fiscais do estado de São Paulo durante a gestão de José Serra, em 2007, Juscelino Gomes afirmou que a isenção foi definida em um contexto diferente do atual. “Queríamos tornar competitiva a atividade no estado, já que havia uma escalada no custo das operações e havia rumores de uma evasão de empresas”, disse. Na avaliação do economista, a medida tinha caráter temporário, mas acabou se estendendo por outras gestões. “É muito difícil tirar uma isenção porque parece que há uma escalada do imposto, o que não é verdade”, afirmou. Meirelles concorda. “Não foi um aumento. Setores que pagavam menos do que a alíquota base do estado, de 18%, tiveram um corte de 20% do benefício”, disse. Depois de ser chamado em Brasília de MMT (Meirelles Mãos de Tesoura) o secretário mostra que pode resolver as questões fiscais e remontar o crescimento econômico. Mas tudo isso tem um custo. E se ele não for financeiro, é de imagem.

ENTREVISTA: 

“Nossa expectativa de crescimento é de 5,5% para 2021”

Henrique Meirelles secretário da fazenda de SP

Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro falou em mexer no ICMS para reduzir o preço dos combustíveis. Qual a sua avaliação sobre isso?
Mencionar o ICMS, na minha opinião, é para desviar o assunto. O que se estava discutindo era o preço dos combustíveis, que é fixado pela Petrobras, baseado nos valores internacionais. É a Petrobras que define a metade do preço final ao consumidor. Depois vêm todos os impostos, federais e estaduais. Então, o que nós temos que nos preocupar é com a inflação. Não adianta ficar criando mágicas.

Qual é a solução para os combustíveis, para não prejudicar a Petrobras e, ao mesmo tempo, não jogar o custo para os consumidores?
Eu mesmo apresentei uma sugestão em 2017 para criar um fundo de ajuste, para que quando houvesse queda de preço muito forte no mercado internacional, por exemplo, parte dessa queda fosse usada para financiar o fundo. Quando houvesse uma alta forte dos preços internacionais, esse fundo seria usado para bancar esse aumento e não levar o reajuste para a população, mantendo uma certa estabilidade. O governo federal tem de fazer o seu dever de casa em vez de procurar sempre desviar do assunto.

Qual será o papel das reformas tributária e administrativa nos planos de crescimento do estado nos próximos anos?
Serão importantes porque o nível de confiança na economia é muito relacionado à sustentabilidade do setor público e da dívida pública federal. Uma reforma administrativa bem feita, rigorosa e com todas as medidas de ajustes das contas públicas federais e preservação do teto de gastos são fundamentais. Chegou a hora de ajustar. É muito importante, daqui para frente, que a economia cresça. Para isso, precisamos ter o setor público ajustado, um setor fiscal em ordem. É importante dizer que o melhor programa social que existe é a geração de emprego. Isso, sim, é que vai elevar o padrão de vida da população e nos tirar da crise.

Superada a crise, a projeção de São Paulo é crescer a que velocidade?
Nossa expectativa de crescimento é de 5,5% para 2021. Para o Brasil, a expectativa é de 3,47%. Segundo o FMI, a zona do euro vai crescer 4,2%, o Japão, 3,1%, e o México, 4,3%. Os Estados Unidos devem crescer 5,1%. Então, São Paulo vai crescer acima da média do resto do mundo.

O estado de São Paulo vai ampliar a participação no PIB depois da crise?
Pode ampliar, sim, porque estamos crescendo mais do a média nacional. Não só em 2019, quando o Brasil cresceu 1%, e São Paulo cresceu quase três vezes isso. Agora, em 2020, quando a economia brasileira caiu 4,4%, São Paulo cresceu 0,3%. E temos que considerar que dentro desse número do Brasil está São Paulo, que tem um terço da economia nacional e está puxando o PIB para cima.

O que o presidente Jair Bolsonaro tem errado e acertado na economia?
O importante agora é não ter um descontrole da dívida pública. O ponto fundamental da política pública até agora foi exatamente o enorme déficit federal durante o ano de 2020, de mais de R$ 700 bilhões. E com uma perspectiva de déficit elevado em 2021, acima de R$ 200 bilhões. Então, esse é o fator mais importante.

Mas não é compreensível esse gasto por causa da pandemia?
Apesar de ter sido compreensível ter esses gastos durante a pandemia, agora, sim, é que temos de enfrentar a situação real. O que o governo fizer agora é que vai definir o legado econômico desse governo. Precisamos saber se o governo vai manter o teto, fazer as reformas fundamentais e fazer a política social necessária. Conversas sem fundamento, Twitter, falatório e frases de efeito não resolvem os problemas da economia. Pode ter efeito político, mas na economia é preciso ter ação concreta.

Qual a sua avaliação do Paulo Guedes?
É agora que vamos saber. Durante a pandemia, não temos como fazer um julgamento. Tem de gastar. Agora, chegou a hora de ajustar.




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