'Folha, 100: não dá pra não ler', artigo de Bruno Covas

Prefeito de São Paulo, comenta sua relação com a Folha, que completa 100 anos

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas*

Folha de S.Paulo

Paradoxal que a Folha complete um século de existência justamente neste momento tão crítico da nossa história. Cem anos e as mesmas questões se impõem: defesa das instituições e da democracia, garantia de direitos individuais, coletivos e difusos e a reafirmação constante da importância da liberdade de imprensa e seu papel fundamental para a nação.

Alia-se a tudo isso os desafios da pandemia da Covid-19 que reforçaram a busca por informações confiáveis diante de um cenário de tanta desinformação e fake news.

Em um ambiente de crise, diante de tanto negacionismo, desrespeito à ciência e mediocridade institucionalizada, com alta polarização potencializada pelo fenômeno colateral das redes sociais, com tanta lacração, cancelamento, juízos rasos e muitas vezes fantasiosos, o jornalismo profissional reforçou sua importância estratégica como um porto seguro, uma fonte confiável e minimamente equilibrada para a sociedade pautar suas decisões e atitudes.

Concordemos ou não com uma edição, reportagem específica ou título, a verdade é que “não dá pra não ler” a Folha —o slogan do próprio jornal resume sua essencialidade. A imprensa e a Folha são imprescindíveis ao país. É importante ter um jornal que traz em sua linha editorial a exigência do olhar crítico e uma postura vigilante, sobretudo em relação aos governos e parlamentos de todas as esferas.

Sob a direção de Octavio Frias de Oliveira e, posteriormente, de Otavio Frias Filho, a Folha modernizou o jornalismo e estabeleceu um novo padrão. Com o início do processo de abertura política, a direção da Folha decidiu se reinventar e começar uma transformação profunda, colocando o jornal como indutor e um dos polos de debate público, trazendo jornalistas, intelectuais e políticos, muitos dos quais calados ou até banidos do país durante a ditadura, para expor suas ideias e pensamentos diversos.

Essa transformação se consolidou com o Projeto Folha, o Manual da Redação, a criação do cargo de ombudsman e a instituição de um espaço fixo para corrigir erros publicamente.

Da década de 1980 aos dias de hoje, a Folha encampou o movimento das Diretas-Já, foi decisiva na investigação que terminou com o impeachment de um presidente da República e revelou inúmeros escândalos nacionais, fundamental no enfrentamento de desmandos e desvios de dinheiro público.

Tão ou mais relevante do que essa postura, no entanto, é tomar cuidado extremo para não generalizar, sobretudo nesse momento de ataques incessantes aos valores democráticos, ainda que seja compreensível a preocupação de não parecer governista ou mais favorável a alguma corrente específica.

Preocupa-me, particularmente, que a busca pela imparcialidade e o apartidarismo coloque, em grande medida, os agentes políticos e públicos num mesmo balaio como se todos fôssemos iguais. Temo que isso contribua para uma sensação coletiva de que ninguém é sério na política, que ninguém tem propósitos e compromisso público. Receio até que tal postura possa, em certo grau, contribuir de alguma forma para a radicalização que contamina a política brasileira e que tanto queremos cessar.

Outro aspecto que acho fundamental destacar, sobretudo em um cenário de tanta desigualdade social, é a importância da valorização de pautas que extrapolem as regiões centrais da nossa metrópole. É compreensível que a cobertura jornalística considere o interesse de seus leitores, mas um novo hospital em Parelheiros, zona sul da cidade, merece um destaque menor do que uma praça no bairro de Pinheiros, na zona oeste?

Respeitada a importância dos dois equipamentos públicos, uma nova unidade de saúde na periferia tem um grande impacto social, na promoção da saúde também e ainda produz efeito positivo em toda a rede municipal.

Por isso, em diversas situações vejo-me obrigado a reagir às conclusões e aos posicionamentos desta Folha, que às vezes toma como base uma convicção e acaba atribuindo pouca importância aos argumentos contrários.

Divergências são próprias da democracia e é bom que seja assim. O importante é que convergimos no essencial, uma vez que estamos comprometidos com valores fundamentais e inalienáveis: a liberdade de expressão, o fortalecimento das instituições democráticas, o combate às desigualdades sociais e a defesa do meio ambiente.

Parabéns a Folha e a todos seus profissionais pelos 100 anos de existência. O jornalismo profissional é uma vacina contra a tirania e um dos principais aliados da democracia.


*Bruno Covas - Prefeito de São Paulo pelo PSDB, é advogado (USP) e economista (PUC-SP); foi deputado estadual (2007-2011) e federal (2015-16) pelo PSDB e secretário de Meio Ambiente do estado de São Paulo 

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