Bolsonaro mente ao afirmar que só 'ficou na torcida' em eleição no Congresso

Presidente diz que parlamentares escolheram 'bons candidatos' para comandar Câmara e Senado

Jair Bolsonaro e Arthur Lira

Ricardo Della Coletta - Folha.com

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mentiu nesta terça-feira (2) ao dizer que "apenas ficou na torcida" nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado.

"[Os] parlamentares, no meu entender, escolheram bons candidatos. Hoje continua. Eu apenas fiquei na torcida", disse o presidente, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. A declaração de Bolsonaro foi transmitida por um site bolsonarista.

A fala do mandatário vai na contramão da atuação do Palácio do Planalto —que prometeu cargos e emendas para beneficiar a candidatura do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)— e também de declarações prévias do próprio Bolsonaro.

Na semana passada, por exemplo, após uma reunião com parte da bancada federal do PSL, Bolsonaro disse que "se Deus quiser" ele iria influir na presidência da Casa.

"Viemos fazer uma reunião aí com 30 parlamentares do PSL e vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara, com estes parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil", declarou Bolsonaro na ocasião.

Na noite de segunda-feira (1º), Lira foi escolhido o novo presidente da Câmara dos Deputados. No Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi eleito por seus pares para ficar à frente da Casa neste biênio.

Ambos venceram com o apoio declarado de Bolsonaro, para quem o resultado na Câmara foi especialmente importante por representar a derrota do grupo político do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) —considerado um adversário pelo Palácio do Planalto.

Bolsonaro determinou que seus ministros atuassem para ajudar Lira a vencer, e o Planalto fez uma série de promessas envolvendo emendas e cargos.

O Executivo também retaliou congressistas que tinham espaços na máquina federal e que declararam voto em Baleia Rossi (MDB-SP), principal adversário do líder do centrão.

Diferentemente do que fez em anos anteriores, o governo abriu o cadastro para inscrição de municípios em programas federais que terão verbas carimbadas por deputados. Na prática, trata-se de um compromisso assumido por Lira e pelo governo federal em troca do apoio na eleição.

Para disponibilizar o dinheiro para honrar as promessas, porém, será necessário aprovar ou o Orçamento ou um projeto que abra crédito extra. Segundo as informações do governo, já foram cadastrados os pedidos de cerca de 600 municípios, que registraram demandas que giram em torno de R$ 650 milhões.

Em outra frente, segundo relato de congressistas, o Executivo fez uma série de nomeações em cargos de segundo escalão e estaduais durante o mês de janeiro.

Viemos fazer uma reunião aí com 30 parlamentares do PSL e vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara, com estes parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil
Jair Bolsonaro

Em declaração na semana passada após encontro com o PSL

Na manhã desta terça, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) também comentou o resultado das eleições da Câmara e do Senado.

Questionado se havia algum constrangimento por Lira ter sido um aliado do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e pela associação do Planalto ao centrão, Mourão disse que é preciso "saber trabalhar com as peças que estão no tabuleiro".​

"Essas coisas não passam por mim. Agora, o que eu já comentei aqui para alguns de vocês: quando o presidente não fez ligação com o Congresso, ele não estava indo bem porque não tinha ligações com o Congresso. Agora ele tem ligações e é aquele história, tem que saber trabalhar com as peças que estão aí no tabuleiro".

Com apoio de Bolsonaro, Lira é o principal líder do chamado centrão, bloco de partidos de centro e de direita conhecidos como adeptos do 'tomá lá, dá cá' (apoio em troca de cargos e verbas).

Na campanha de 2018, Bolsonaro, então no PSL, dizia que os dirigentes do centrão eram "a alta nata de tudo o que não presta no Brasil".

“Se eu, por exemplo, apresento o ministério para um partido com objetivo de comprar voto, qualquer um pode então me questionar que estou interferindo no exercício do Poder Legislativo", disse à época.

Também em 2018, o hoje ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, chegou a cantarolar “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão” em um encontro do PSL.

Chegando ao poder, o presidente atravessou 2019 em conflito com esses partidos. Agora, dirigentes e líderes dizem que a aproximação com o governo em 2020 foi possível porque Bolsonaro corrigiu problemas em seu comportamento.

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