Lula chora em cerimônia de diplomação; leia a íntegra

Evento marca o final do processo eleitoral e antecede a posse, que será realizada no dia 1º de janeiro

Alexandre de Moraes e Lula

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chorou nesta segunda-feira ao discursar em sua cerimônia de diplomação. Lula afirmou que o povo “reconquistou o direito de viver em democracia” e se emaciou ao lembrar da sua primeira diplomação, em 2002. O evento marca o final do processo eleitoral e antecede a posse, que será realizada no dia 1º de janeiro. 

O discurso de Lula teve uma série de ataques velados ao presidente Jair Bolsonaro, que terminou a corrida eleitoral em segundo lugar. O President eleito afirmou que “poucas vezes na história recente” do país a democracia esteve “tão ameaçada” e elogiou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) pela atuação durante a campanha. 

Lula ainda afirmou que os “inimigos da democracia” questionaram o sistema eleitoral, ameaçaram instituições e “criaram obstáculos de última hora para que eleitores fossem impedidos de chegar a seus locais de votação”. O dia 30 de outubro, domingo no qual foi realizado o segundo turno das eleições, foi marcado por diversos bloqueios feitos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em vários locais do país que acabaram atrasando e dificultando o acesso à zonas eleitorais.


Leia a íntegra do discurso de Lula: 

Em primeiro lugar, quero agradecer ao povo brasileiro, pela honra de presidir pela terceira vez o Brasil. 

Na minha primeira diplomação, em 2002, lembrei da ousadia do povo brasileiro em conceder – para alguém tantas vezes questionado por não ter diploma universitário – o diploma de presidente da República. 

Reafirmo hoje que farei todos os esforços para, juntamente com meu vice Geraldo Alckmin, cumprir o compromisso que assumi não apenas durante a campanha, mas ao longo de toda uma vida: fazer do Brasil um país mais desenvolvido e mais justo, com a garantia de dignidade e qualidade de vida para todos os brasileiros, sobretudo os mais necessitados.

Quero dizer que muito mais que a cerimônia de diplomação de um presidente eleito, esta é a celebração da democracia. 

Poucas vezes na história recente deste país a democracia esteve tão ameaçada. 

Poucas vezes na nossa história a vontade popular foi tão colocada à prova, e teve que vencer tantos obstáculos para enfim ser ouvida. 

A democracia não nasce por geração espontânea. Ela precisa ser semeada, cultivada, cuidada com muito carinho por cada um, a cada dia, para que a colheita seja generosa para todos. 

Mas além de semeada, cultivada e cuidada com muito carinho, a democracia precisa ser todos os dias defendida daqueles que tentam, a qualquer custo, sujeitá-la a seus interesses financeiros e ambições de poder. 

Felizmente, não faltou quem a defendesse neste momento tão grave da nossa história. 

Além da sabedoria do povo brasileiro, que escolheu o amor em vez do ódio, a verdade em vez da mentira e a democracia em vez do arbítrio, quero destacar a coragem do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, que enfrentaram toda sorte de ofensas, ameaças e agressões para fazer valer a soberania do voto popular. 

Cumprimento cada ministro e cada ministra do STF e do TSE pela firmeza na defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral nesses tempos tão difíceis. 

A história há de reconhecer sua coerência e fidelidade à Constituição. 

Essa não foi uma eleição entre candidatos de partidos políticos com programas distintos. Foi a disputa entre duas visões de mundo e de governo. 

De um lado, o projeto de reconstrução do país, com ampla participação popular. De outro lado, um projeto de destruição do país ancorado no poder econômico e numa indústria de mentiras e calúnias jamais vista ao longo de nossa história. 

Não foram poucas as tentativas de sufocar a voz do povo.

Os inimigos da democracia lançaram dúvidas sobre as urnas eletrônicas, cuja confiabilidade é reconhecida em todo o mundo. 

Ameaçaram as instituições. Criaram obstáculos de última hora para que eleitores fossem impedidos de chegar a seus locais de votação. Tentaram comprar o voto dos eleitores, com falsas promessas e dinheiro farto, desviado do orçamento público. 

Intimidaram os mais vulneráveis com ameaças de suspensão de benefícios, e os trabalhadores com o risco de demissão sumária, caso contrariassem os interesses de seus empregadores. 

Quando se esperava um debate político democrático, a Nação foi envenenada com mentiras produzidas no submundo das redes sociais. 

Eles semearam a mentira e o ódio, e o país colheu uma violência política que só se viu nas páginas mais tristes da nossa história. 

E no entanto, a democracia venceu. 

O resultado destas eleições não foi apenas a vitória de um candidato ou de um partido. Tive o privilégio de ser apoiado por uma frente de 12 partidos no primeiro turno, aos quais se somaram mais dois na segunda etapa. 

Uma verdadeira frente ampla contra o autoritarismo, que hoje, na transição de governo, se amplia para outras legendas, e fortalece o protagonismo de trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, cientistas e lideranças dos mais diversos e combativos movimentos populares deste país. 

Tenho consciência de que essa frente se formou em torno de um firme compromisso: a defesa da democracia, que é a origem da minha luta e o destino do Brasil. 

Nestas semanas em que o Gabinete de Transição vem escrutinando a realidade atual do país, tomamos conhecimento do deliberado processo de desmonte das políticas públicas e dos instrumentos de desenvolvimento, levado a cabo por um governo de destruição nacional. 

Soma-se a este legado perverso, que recai principalmente sobre a população mais necessitada, o ataque sistemático às instituições democráticas. 

Mas as ameaças à democracia que enfrentamos e ainda haveremos de enfrentar não são características exclusivas de nosso país.

A democracia enfrenta um imenso desafio ao redor do planeta, talvez maior do que no período da Segunda Guerra Mundial. 

Na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos, os inimigos da democracia se organizam e se movimentam. Usam e abusam dos mecanismos de manipulações e mentiras, disponibilizados por plataformas digitais que atuam de maneira gananciosa e absolutamente irresponsável. 

A máquina de ataques à democracia não tem pátria nem fronteiras. 

O combate, portanto, precisa se dar nas trincheiras da governança global, por meio de tecnologias avançadas e de uma legislação internacional mais dura e eficiente. 

Que fique bem claro: jamais renunciaremos à defesa intransigente da liberdade de expressão, mas defenderemos até o fim o livre acesso à informação de qualidade, sem mentiras e manipulações que levam ao ódio e à violência política. 

Nossa missão é fortalecer a democracia – entre nós, no Brasil, e em nossas relações multilaterais. 

A importância do Brasil neste cenário global é inegável, e foi por esta razão que os olhos do mundo se voltaram para o nosso processo eleitoral. 

Precisamos de instituições fortes e representativas. Precisamos de harmonia entre os Poderes, com um eficiente sistema de pesos e contrapesos que iniba aventuras autoritárias. 

Precisamos de coragem. 

É necessário tirar uma lição deste período recente em nosso país e dos abusos cometidos no processo eleitoral. Para nunca mais esquecermos. Para que nunca mais aconteça. 

Democracia, por definição, é o governo do povo, por meio da eleição de seus representantes. Mas precisamos ir além dos dicionários. O povo quer mais do que simplesmente eleger seus representantes, o povo quer participação ativa nas decisões de governo. 

É preciso entender que democracia é muito mais do que o direito de se manifestar livremente contra a fome, o desemprego, a falta de saúde, educação, segurança, moradia. Democracia é ter alimentação de qualidade, é ter emprego, saúde, educação, segurança, moradia.

Quanto maior a participação popular, maior o entendimento da necessidade de defender a democracia daqueles que se valem dela como atalho para chegar ao poder e instaurar o autoritarismo. 

A democracia só tem sentido, e será defendida pelo povo, na medida em que promover, de fato, a igualdade de direitos e oportunidades para todos e todas, independentemente de classe social, cor, crença religiosa ou orientação sexual. 

É com o compromisso de construir um verdadeiro Estado democrático, garantir a normalidade institucional e lutar contra todas as formas de injustiça, que recebo pela terceira vez este diploma de presidente eleito do Brasil – em nome da liberdade, da dignidade e da felicidade do povo brasileiro. 

Muito obrigado.

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