Bolsonaro e o seu desprezo ao pobre

Bolsonaro não consegue se conectar aos mais pobres por fobia e preconceito. Por isso, os eleitores de menor renda são os que mais resistem a ele

Jair Bolsonaro

Míriam Leitão - O Globo

Bolsonaro tem dado demonstrações seguidas de desprezo aos pobres. Isso explica vários erros. No debate da Band ele confundiu moradores de favela com bandidos, no fim de semana ofendeu adolescentes venezuelanas pobres, após o primeiro turno chamou nordestinos de analfabetos para explicar sua derrota na região. Simplesmente ele não consegue se conectar com o pobre por fobia e preconceito. Por isso, pesquisa após pesquisa, e isso deve enfurecê-lo, os eleitores de menor renda são os que mais resistem a ele.

— Eu conheço o Rio de Janeiro. O senhor esteve recentemente no Complexo do Salgueiro, não tinha nenhum policial do seu lado. Só traficante — disse Bolsonaro. 

Isso permitiu a Lula corrigir a geografia e a visão do presidente. Lembrou que foi ao Complexo do Alemão e se encontrou com trabalhadores: 

— Os bandidos você sabe onde estavam, um vizinho seu tinha 100 armas dentro de casa. Achar que os bandidos estão só no lugar dos pobres? 

Na Central das Eleições da Globonews, a jornalista Natuza Nery levantou essa questão do distanciamento dele em relação ao pobre. E muita coisa se entende, a partir daí. Isso explica, por exemplo, sua obsessão por reduzir o preço da gasolina, que alivia a classe média, mas não os preços dos alimentos que atingem diretamente os mais pobres. Explica seu orgulho de reduzir impostos de jet-ski, whey protein, games, skates, e sua declaração de que é melhor comprar fuzil do que feijão. 

Bolsonaro passou o fim de semana enrolado em sua própria armadilha por ter dito que viu adolescentes venezuelanas, “bonitinhas, arrumadinhas”, numa área de periferia de Brasília, tirou o capacete, “pintou um clima”, voltou e pediu para ir à casa delas, narrou o presidente. Desse cipoal de crimes ele só saiu agarrando-se a uma decisão do — ironia do destino — ministro Alexandre de Moraes. A fala foi essa mesma, e ele disse porque quis. Vendo-se o vídeo da visita, dois anos antes, o que fica claro era que ele havia usado as refugiadas para outro tipo de exploração política, a campanha contra as medidas de proteção contra Covid. Agora reciclou a história para insinuar que as meninas refugiadas eram prostitutas.

— Meninas bonitinhas, arrumadinhas, pra quê? — Perguntou. A resposta contida na pergunta é de novo o preconceito do presidente contra quem está em qualquer situação de vulnerabilidade. 

— Você que é pobre, que tem dificuldade. Multipliquei por três o valor médio do Bolsa Família — disse no debate. 

Ele realmente acredita, até hoje, que a sua jogada eleitoreira, de última hora, de elevar o valor do benefício, iria mudar o voto dos mais pobres. Bolsonaro sempre disse que o Bolsa Família era a forma de tentar comprar o voto dos pobres. Então ele aumentou o dinheiro às vésperas das eleições e a surpresa que tem, que deve enfurecê-lo, é que, pesquisa após pesquisa, as camadas mais pobres da população resistem a ele. O pobre é o invisível do qual ele gostaria apenas de comprar o voto ou assediar com seu terrorismo religioso. 

No domingo, Bolsonaro falou várias vezes no Nordeste, acusando seu adversário de ser contra os nordestinos. A região consagrou Lula, dando a ele 67% contra 27% de Bolsonaro no primeiro turno. Ao fim da contagem dos votos Bolsonaro disparou sua ira. 

— Lula venceu em nove dos dez estados com a maior taxa de analfabetismo. Sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste — disse. 

O colunista Fernando Gabeira explicou que essa é a visão de mundo de Bolsonaro. Ele só vê o grupo social no qual está inserido. No Congresso, onde Gabeira conviveu com ele, Bolsonaro era apenas o defensor de vantagens para os militares. Nunca olhou para o país como um todo. Por isso ele pareceu tão estrangeiro quando Lula falou da necessidade de um mutirão, na primeira hora do novo governo, com estados e municípios, para enfrentar a tragédia da baixa aprendizagem dos mais pobres na pandemia, que por não terem computador e internet, ficaram muito atrás das crianças ricas. Bolsonaro respondeu que a solução ja foi adotada. “É um aplicativo, o Graphogame. Num telefone celular se baixa um programa e a garotada fica ali. Aperta o A faz som de A, aperta C e A, faz Ca.” O que é Bolsonaro? Um presidente totalmente alheio à realidade. Ao não ser capaz de ver o pobre, ele não vê o próprio país ao qual ele está pedindo mais um mandato.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

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