Tarcísio contrata com verba eleitoral seu cunhado, dono do imóvel que indicou como endereço em SP

Contrato de locação usado como prova de domicílio tem valor inferior ao de mercado; esclarecimentos foram dados, diz campanha

Tarcísio de Freitas

Artur Rodrigues e Carlos Petrocilo - Folha.com

O candidato ao Governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) contratou para sua campanha seu cunhado, o mesmo de quem também alugou um imóvel em São José dos Campos, no interior de São Paulo, por valor inferior ao de mercado.

Os repasses de R$ 40 mil, feitos ao militar Maurício Pozzobon Martins, foram a título de serviços de administração financeira para a campanha do candidato bolsonarista.

O pagamento consta na prestação de contas entregue por Tarcísio ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que não informa se o cunhado recebeu por meio do fundo eleitoral (dinheiro público) ou de doações de pessoas físicas.

Tarcísio é natural do Rio de Janeiro e vivia em Brasília até ser escalado por Jair Bolsonaro (PL) para concorrer ao pleito em São Paulo.

Entre os documentos apresentados pelo candidato para conseguir mudar sua residência eleitoral para o estado e disputar uma vaga ao Palácio do Bandeirantes está o contrato do apartamento na Vila Ema, bairro nobre de São José dos Campos.

Trata-se de um apartamento de 176 m², com três vagas na garagem, comprado pelo cunhado do ex-ministro de Bolsonaro em 2015, segundo matrícula do cartório. O imóvel está avaliado em cerca de R$ 1,6 milhão, usando como base apartamentos similares anunciados à venda.O aluguel cobrado, de R$ 1.185 por mês, está bem abaixo do de imóveis da região. Um apartamento com padrão semelhante na cidade tem aluguel por volta de R$ 7.000 mensais, segundo sites imobiliários.

A Folha teve acesso ao contrato de locação celebrado entre Tarcísio e o seu cunhado, Martins. O prazo de locação é de 12 meses, com início no dia 1º de outubro de 2021 e término no dia 1º de outubro de 2022, um dia antes da eleição. Mas está prevista a possibilidade de renovação.

O contrato foi apresentado à Justiça Eleitoral pela candidatura do ex-ministro, que sofreu com um pedido de impugnação em razão da ausência de comprovação do domicílio eleitoral em São Paulo. E o TRE deferiu o registro da chapa composta por Tarcísio e pelo vice Felício Ramuth (PSD).

A assessoria de imprensa de Tarcísio disse, em nota à Folha, que "todos os esclarecimentos acerca do domicílio eleitoral de Tarcísio já foram prestados, e todos os questionamentos realizados sobre o assunto foram arquivados pela Justiça".

A reportagem também questionou quais as atividades realizadas por Martins, e se a campanha o recompensou com recursos provenientes do fundo partidário ou de doações particulares. "Conforme citado, toda a prestação de contas relativa à campanha está disponível no TSE", completa a assessoria do candidato.

Para transferência do título de eleitor, a legislação exige a residência mínima de três meses no novo domicílio (no caso de Tarcísio, o estado). O contrato de aluguel foi firmado em setembro do ano passado, e o candidato dos Republicanos transferiu o título de eleitor para São Paulo em janeiro deste ano —anteriormente, o documento estava registrado em Brasília.

Conforme a Folha mostrou, em junho deste ano, Tarcísio não vivia no imóvel, que estava em reforma. À reportagem ele disse, na ocasião, manter base na capital devido aos compromissos de campanha.

Fachada do prédio em São José dos Campos no qual Tarcísio declara como sua residência no estado de São Paulo 
Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

Atualmente constando como responsável por documentos na campanha, Martins é militar e foi para a reserva em 2019. Segundo o currículo dele, desde então e até junho deste ano, o militar atuou na Infraero, órgão vinculado ao Ministério da Infraestrutura, que era comandado por Tarcísio.

A origem de Tarcísio foi desde o início um dos principais flancos explorados por rivais. O tema ganhou novo fôlego após o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo decidir que o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) não poderia concorrer pelo estado, por considerar irregular a transferência do título de eleitor do também ex-ministro de Bolsonaro.

Em junho, a reportagem foi ao endereço informado à Justiça por Tarcísio, tocou o interfone à procura do ex-ministro e ouviu do porteiro que não era possível encontrar ninguém ali. "Tarcísio? Mas você é de obra?", perguntou o porteiro. "O apartamento 112 está em obra. Só tem os prestadores [de serviço]."

A reportagem perguntou se não conseguiria nunca encontrar alguém no local. "É", respondeu o porteiro.

Momentos depois, a reportagem voltou ao local e questionou na portaria se Tarcísio já havia sido visto ali. Após a Folha explicar que se tratava de um pré-candidato e que o prédio constava como endereço dele, o porteiro fez uma pausa e afirmou: "Reside aqui sim, mas o apartamento está em reforma".

O TRE rejeitou questionamento da direção do PSOL a respeito do domicílio eleitoral do candidato. Após a reportagem da Folha, a Polícia Federal abriu investigação sobre o assunto.

Recentemente, a origem de Tarcísio voltou a levantar questionamentos após uma entrevista em que ele disse desconhecer o local onde vota na cidade, durante entrevista à TV Vanguarda, afiliada da TV Globo.

"O senhor vota onde? Qual é o seu local de votação?", questionou a repórter que conduzia a conversa.

Em resposta, Tarcísio deu um riso abafado e falou: "Ah, é um colégio." "Sabe o bairro, por curiosidade?", seguiu a apresentadora. Constrangido, Tarcísio ficou em silêncio por um momento até a repórter emendar: "Fugiu à cabeça, né?"

"Sim, fugiu à cabeça", completou o candidato do Republicanos.

O assunto, novamente, virou munição para adversários de Tarcísio, principalmente para o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que disputa uma vaga diretamente contra o candidato para chegar ao segundo turno contra Fernando Haddad (PT).

Até o momento, a campanha de Tarcísio de Freitas arrecadou R$ 15,5 milhões. A maior parte vem do Republicanos e do PSD, partido de seu vice, mas a conta inclui também R$ 4,9 milhões em doações privadas —entre as quais uma de R$ 20 mil de Octavio Teixeira Brilhante Ustra, advogado e sobrinho do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado em segunda instância por tortura e sequestro no regime militar (1964-1985).

Os gastos já totalizam R$ 16,3 milhões, sendo a maior fornecedora a empresa Beacon Comunicação, sediada em São Paulo e com R$ 9,4 milhões em gastos.

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