Entrevista de Dimas Covas ao jornal O Globo

Presidente do Instituto Butantan fala dos planos da vacina nacional contra varíola e das medidas que devem ser tomadas para conter o avanço da doença no país

O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas 

Eduardo F. Filho - O Globo

O hematologista Dimas Covas foi um dos nomes mais importantes no combate à pandemia de Covid-19 no país. Lutou para trazer a CoronaVac, a primeira vacina contra a doença aplicada no Brasil. De uns tempos para cá, Covas passou a abraçar outras batalhas, como a recente disseminação da varíola dos macacos e da poliomielite e aponta caminhos para frear as doenças em território nacional.


ENTREVISTA

Como estão as negociações do Instituto Butantan para fabricar a vacina da varíola dos macacos?
O Butantan já começou a se mobilizar para procurar parcerias no mundo no intuito de desenvolver e produzir essa vacina localmente, visto que o instituto produziu o imunizante da varíola no passado. Nós temos condição e local apropriado para receber a tecnologia necessária. Apesar das conversas serem iniciais, estamos em contato com organismos internacionais, como a NIH e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Seria possível ter uma vacina nacional produzida ainda neste ano?
Não, mesmo que todo o ambiente fosse favorável, ainda teria que passar pela regulação, aprovação da Anvisa. Não há capacidade e velocidade para produção nacional este ano, quiçá, talvez, para o segundo semestre do ano que vem.

O governo anunciou que chegarão até setembro os 50 mil insumos da vacina contra a varíola, mas é um número extremamente baixo em comparação com a quantidade de pessoas que precisam ser vacinadas. Como o senhor enxerga essa relação?
Essas doses não seriam suficientes nem mesmo para vacinar os profissionais de saúde que eventualmente poderiam estar sendo preparados para enfrentar esse vírus se esses casos aumentarem muito. Ainda não há uma estratégia definida. É preciso ter um critério de discussão em quem essas vacinas poderão ser utilizadas. Se vão ser usadas em profissionais de saúde, ou pós exposição para evitar casos mais graves. O Estado de São Paulo vai receber em torno de 11 mil doses, é muito pouco. Essa estratégia e coordenação nacional certamente já deveriam estar prontas.

Em que aspectos o país tem que melhorar na prevenção da doença neste momento?
O aspecto educacional é fundamental agora. Temos de ter maior investimento na comunicação primária, de forma mais clara. Há duas informações primordiais: como é a transmissão e como é a contenção. Hoje nós sabemos que a doença nesse momento atinge principalmente a população de homens que fazem sexo com outros homens. São orientações que devem ser feitas de forma cientifica, com o intuito de mostrar claramente quais são os riscos e as formas de se proteger. E isso não pode ser confundido com outras questões como o preconceito, ou de estigmatizar um comportamento. É comunicar claramente os riscos, o grupo que está em risco e como se prevenir.

O Brasil não demorou para tomar uma atitude nesse sentido?
O Brasil de uma certa maneira, assim como ocorreu com a pandemia de Covid, não teve uma coordenação. Os estados em certo momento precisavam de uma ação minimamente coordenada e isso obviamente envolve a autoridade maior da saúde que é o próprio ministério. A Anvisa participou, tentou fazer a coordenação nos aspectos que lhe diz respeito, mas faltou uma ação maior por um membro superior. Cada estado tomou um caminho próprio e muitos até com ações contrastantes. Óbvio, o país é continental heterogêneo, mas nessas situações e desafios é preciso ter uma coordenação, uma voz que fale: “vamos juntar todos e fazer dessa maneira”.

A população como um todo tem receio de que a varíola possa se tornar uma epidemia, como a do coronavírus. Há motivos de preocupação?
Não vejo na mesma gravidade e proporção. São situações diferentes, a fórmula de transmissão e a infecciosidade são distintas. Não dá para se espelhar com o que aconteceu na Covid, com o que, eventualmente, vai acontecer com a monkeypox. Ela vai aumentar seguramente. Enquanto essas medidas de proteção não forem efetivas e tomadas de fato, ela vai continuar a disseminar. Por isso a informação qualificada é importantíssima. Não precisamos apenas olhar os números, mas comunicar as formas de evitar a transmissão e de se prevenir neste momento que não temos vacinas disponíveis.

Deveríamos restringir as recomendações no uso de máscara por causa da varíola?
Não há definição sobre isso. A transmissão basicamente é com secreções de pessoas infectadas. O uso de máscaras é importante para infecções respiratórias, nós tivemos um período de uso de máscaras mais intensa durante a Covid, que consequentemente, diminuiu os casos de gripe. A varíola dos macacos é um pouco diferente, depende das secreções, contato mais próximo de pessoas infectadas e com manifestações clínicas de alguma forma. A orientação clara para a população é que tendo as manifestações compatíveis com a doença, procurar imediatamente um serviço de saúde.

Os casos de poliomielite têm subido em diversos países no mundo pela baixa cobertura vacinal. Qual é a causa dessa queda na cobertura?
A cobertura além de ser baixa é heterogênea. Há estados com coberturas baixíssimas, de 30% a 35%, e lugares, com taxas de 80%. Não só com a pólio ocorre isso. Tivemos recentemente crise de sarampo em pessoas adultas, que é muito mais grave em relação ao aparecimento da doença em crianças. Isso é um grande problema que pode permitir o retorno de doenças já controladas. Entre as causas principais é o movimento das fake news, assim como os grupos antivacina. Eles têm ganhado força. É uma coisa que veio para ficar, não é uma onda, é algo que está se estabelecendo. Não era algo habitual no Brasil, que sempre foi considerado um país exemplo em vacinação. Agora essa resistência ao imunizante ainda ganha respaldo de autoridades importantes da nação desconsiderando a importância das vacinas na prevenção das doenças de uma forma geral. É como se voltássemos aos anos 40, quando não tínhamos vacinas e as pessoas ficavam desesperadas esperando ter alguma solução. A diferença é que nós temos e mesmo assim corremos o risco de ter a volta dessas doenças por falta de vacinação. A vacina não é uma proteção individual, é coletiva. As pessoas precisam ser vacinadas para que essas doenças não se disseminem. Ideias individuais não podem ser permanentes, porque o prejuízo será de todos e não só das pessoas que têm essa opinião. Se todos cumprirem sua parte e se vacinarem, conseguimos erradicar muito dessas doenças, como já aconteceu com a varíola anos atrás.

Até o começo de agosto, os postos de saúde estavam enfrentando falta de doses da CoronaVac porque o governo não comprou doses novas da vacina. Isso já foi resolvido ou tende a continuar com falta do imunizante?
Alguns municípios tinham a CoronaVac estocada, como foi o caso do Rio de Janeiro, em outros já estão em fase de esgotamento. O Butantan precisou importar o IFA (matéria-prima para a produção da vacina) e ele já está chegando. As primeiras doses devem ser liberadas a partir dos dez primeiros dias de setembro. Entretanto, até lá, imagino que a falta deva continuar ocorrendo nos municípios do Brasil. Esse prazo, claro, se o Ministério confirmar a aquisição. Porque neste momento não temos ainda nenhum volume de doses garantidas para serem entregues. (Nesta segunda-feira, o Ministério da Saúde confirmou a compra de 1 milhão de doses de CoronaVac do Instituto Butantan para crianças de 3 a 5 anos).

O senhor foi um dos principais responsáveis pelo estudo brasileiro do CAR-T, o primeiro tratamento totalmente personalizado para câncer. Hoje, com a autorização da Anvisa para o estudo clínico, como o senhor enxerga o futuro para as intervenções contra o câncer?
A nova fronteira do tratamento do câncer são as terapias celulares avançadas. É uma grande evolução. Isso é um nascedouro. Mas há um problema ainda: o custo. Os produtos que são aprovados hoje aqui no Brasil, são de companhias multinacionais que já são produzidos e feitos como forma de tratamento nos Estados Unidos, por exemplo, mas que custam em torno de 1 milhão de dólares -- apenas o tratamento de uma pessoa. Se é um tratamento tão espetacular, como vêm mostrando os dados disponíveis, e que de fato leva à cura de muitas pessoas, e que isso aparentemente será o novo futuro do tratamento do câncer, temos que desenvolver isso aqui. É uma necessidade estratégica do país. Precisamos baratear o processo para que ele seja acessível para milhares de pessoas, principalmente, os pacientes do nosso SUS. Nós temos que trabalhar no sentido de ter essa produção nacional em grande escala e andar rapidamente. Temos os meios, conhecemos e desenvolvemos a tecnologia.

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