CPI quer investigar compra de testes de Covid e fechar o cerco ao líder do governo Bolsonaro

Cúpula da comissão prevê sessão secreta para ouvir servidor da Saúde que denunciou irregularidades também em aquisição da vacina Covaxin

Bolsonaro e Ricardo Barro

Renato Machado, Julia Chaib e Constança Rezende - Folha.com

Na semana seguinte à apresentação de documentos e depoimentos que levaram suspeitas de corrupção para perto do Palácio do Planalto, a CPI do Senado pretende se aprofundar na investigação de irregularidades na compra de testes de Covid, além de buscar novos convocados e quebras de sigilo para fechar o cerco ao grupo ligado ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara.

As novas ações correm nesta semana em paralelo a depoimentos aguardados, como o do empresário bilionário Carlos Wizard, integrante do chamado gabinete paralelo, e do sócio-diretor da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano, investigado na negociação da vacina indiana Covaxin.

Ambos conseguiram retardar suas oitivas, mas agora vão precisar prestar esclarecimentos à luz de denúncias mais graves.

A CPI entrou nos últimos dias em uma nova fase de investigações, focadas na compra da Covaxin.

A existência de denúncias de irregularidades em torno da compra da vacina indiana Covaxin foi revelada pela Folha no dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso de Luis Ricardo ao Ministério Público Federal. Desde então, o caso virou prioridade da CPI no Senado.

A CPI suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, prever o maior valor por dose da vacina, em torno de R$ 80. Além disso, é o único feito por um intermediário, a Precisa Medicamentos.

Esse mesmo servidor que denunciou a pressão e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), disseram à CPI que alertaram o presidente Jair Bolsonaro sobre as supostas irregularidades. A esse respeito, o presidente diz apenas que não tem como saber o que acontece nos ministérios.

Em entrevista à Folha no último domingo (27), Miranda disse que a corrupção pode ser “muito maior”.

O parlamentar indicou a existência de fraude na compra de testes de Covid, apontou para um indicado de Barros e ainda disse que seu irmão pode apresentar mais detalhes, desde que seja em uma sessão secreta da CPI.

Os senadores do grupo majoritário da CPI, formado por independentes e oposicionistas, afirmam que as novas denúncias são graves e que precisam ser investigadas. Por outro lado, acrescentam que o foco ainda está no contrato envolvendo a Covaxin e que é preciso cautela com novas denúncias.

“Tudo o que tiver a ver com a pandemia vai ser investigado. Tudo, qualquer frente, por isso estamos prorrogando a duração da CPI, para ter mais tempo para investigar essas questões todas”, afirma o relator, Renan Calheiros (MDB-AL).

Na mesma linha, o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou requerimento para prorrogar por outros 90 dias as atividades da comissão.

O colegiado foi instalado no dia 27 de abril e portanto deveria ser encerrado entre o fim de julho e o início de agosto —a depender se a comissão vai parar as atividades com o recesso parlamentar, previsto inicialmente para começar em 17 de julho.

Para ser prorrogada, eram necessárias 27 assinaturas de senadores, o que corresponde a um terço de toda a Casa legislativa. A assessoria de imprensa de Randolfe anunciou que o número havia sido atingido na noite desta segunda-feira (28).

O parlamentar aponta em suas justificativas a necessidade de se apurar as supostas irregularidades envolvendo a compra da Covaxin, um “escândalo que precisa ser apurado com a gravidade correspondente”, segundo o requerimento.

Um primeiro passo previsto pelo grupo majoritário para avançar na investigação da compra de testes será a realização da sessão secreta para ouvir o servidor Luis Ricardo Miranda.

Após a publicação da entrevista, na qual o deputado Miranda levanta essa possibilidade, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) informou que apresentaria requerimento para que essa oitiva secreta seja realizada.

Vieira, no entanto, defende cautela dos senadores na apreciação dessas novas denúncias. “A CPI não pode ignorar este tipo de informação, mas deve ter o cuidado de não cair em especulações sem provas”, afirmou.

Posição semelhante tem o senador Humberto Costa (PT-PE), que defende a apuração das novas denúncias, mas também pede cuidado para que a comissão não perca o foco.

“Se realmente isso tem correspondência com a realidade, são fatos graves que precisam ser apurados. Se de fato o deputado tem coisas que sejam relevantes, não há nenhuma dificuldade em fazer uma sessão reservada”, disse.

Em uma outra frente, os senadores da CPI querem aprofundar a investigação sobre servidores do Ministério da Saúde que seriam ligados a Barros.

O próprio parlamentar é alvo de um requerimento de convocação para prestar depoimento à comissão, que está na pauta da sessão desta terça-feira (29). Caso os senadores decidam mesmo por requerer seu depoimento, o formato deve ser transformado em convite, formato no qual a presença não é obrigatória.

Também estão na pauta os requerimentos de convocação dos servidores da Saúde Roberto Ferreira Dias e Thiago Fernandes da Costa.

Na entrevista, o deputado Miranda disse que o diretor de logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, é quem dá as cartas. "Nada ali acontece se o Roberto não quiser." Dias foi indicado ao cargo pelo ex-deputado Abelardo Lupion e por Barros.

Já com relação a Fernandes da Costa, reportagem da Folha desta segunda-feira mostrou que o servidor é réu em ação de improbidade ao lado de Barros e da Global Gestão em Saúde e mesmo assim atuou na compra da vacina indiana Covaxin.

O servidor assina papéis como o termo de referência, documento que baliza a elaboração do contrato para a compra do imunizante indiano.

Ainda nesta semana, a sessão desta quinta-feira (1º) será destinada a ouvir o sócio-administrador da Precisa, Francisco Emerson Maximiano. O empresário deveria ter comparecido à comissão na quarta-feira da semana passada, mas argumentou que estava em quarentena, por ter viajado à Índia.

Seu novo depoimento agora acontece em um novo momento das investigações envolvendo a sua empresa. Há duas semanas, os senadores suspeitavam do crime de advocacia administrativa - uso da máquina pública em benefício de entidade privada.

Após as revelações dos irmãos Miranda, os senadores agora vão questionar Maximiano tendo em mãos os nomes de servidores da pasta que teriam agido em benefício da empresa e de lobistas que atuaram na defesa de seus interesses. Além disso, cresceram as suspeitas em torno de Barros, e de um eventual crime de prevaricação do presidente da República.

Um dia antes, a CPI vai ouvir o empresário Carlos Wizard, que também faltou à sua primeira oitiva, alegando que estava fora do país. A cúpula da comissão chegou a pedir a condução coercitiva do empresário.

Wizard também vai depor em um ambiente diferente do previsto originalmente. Inicialmente, suspeitava-se da sua participação no gabinete paralelo, centro de aconselhamento sobre temas da pandemia a Bolsonaro que propagava o negacionismo.

Agora, os senadores também suspeitam da atuação de Wizard em defesa de algumas vacinas contra a Covid, que chegaram a ser cogitadas pelo governo brasileiro.

“Carlos Wizard vinha porque era do gabinete paralelo, por causa da disseminação de notícias falsas, a defesa da cloroquina. Agora ele aparece numa outra seara. Agora é preciso saber o envolvimento dele e de outros na intermediação de vacinas”, afirma o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Wizard teve o passaporte retido nesta segunda-feira pela Polícia Federal, ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). O documento foi pego pelo serviço de imigração da PF do aeroporto.

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