Alavancado pela vacina, Doria aposta em agenda positiva e estilo informal para romper rejeição

De olho em 2022, marketing seguirá apoiado na vacinação, mas pauta única da pandemia traz efeito negativo

O governador João Doria comemora após tomar a primeira dose da Coronavac


Carolina Linhares - Folha.com

O governador João Doria (PSDB) planeja variar sua comunicação para apresentar outros feitos e temas além da pandemia, que tem o efeito duplo de alavancá-lo quando o assunto é vacina mas derrubá-lo quando se trata de anunciar restrições de circulação.

A exploração da vacina, considerada maior ativo eleitoral de Doria, será mantida como prioridade no marketing do tucano —a ideia é somar a isso outras vitrines e atacar a rejeição ao governador que aparece em pesquisas internas e externas.

O tucano tenta se viabilizar candidato a presidente da República, em meio a uma pulverização de presidenciáveis e diante de prévias marcadas pelo PSDB.

A estratégia se junta às mudanças vistas no último mês, quando o governador passou a adotar vestimenta mais casual nas entrevistas e a responder seguidores nas redes, seja entrando no clima da provocação da "calça apertada" ou encarnando o “João vacinador”.

Por enquanto, a gravata deve continuar aposentada, e Doria buscará se mostrar mais tranquilo, propositivo e acessível. As novas orientações de comunicação foram pensadas de forma conjunta em reuniões de Doria e suas equipes responsáveis pela comunicação governamental e pelas redes sociais.

A percepção que ensejou os novos rumos é a de que parte da população identifica, sim, Doria como “pai da vacina”, mas que essa visão precisa emplacar de forma majoritária em todo o país.

Além disso, há o entendimento de que a associação com a pandemia e o enfrentamento ao presidente Jair Bolsonaro pesam negativamente, o que torna necessário variar a pauta e valorizar outras entregas do governo para angariar a simpatia de eleitores.

De acordo com auxiliares do governador, entre as entregas de Doria que precisam ser levadas à população estão empregos gerados na área de infraestrutura, ações de proteção ao meio ambiente, como a despoluição do Rio Pinheiros, e o crescimento de 0,4% do PIB do estado em comparação com a queda de 4,1% do país.

O foco em uma agenda positiva inclui ainda o investimento em estradas vicinais, aposta de Doria para melhorar a popularidade no interior. Em paralelo, secretários que assessoram o governador em questões políticas o aconselharam a ampliar as reuniões com prefeitos e deputados.

Em busca dessa aprovação, Doria também chegou a evitar ou postergar medidas duras de restrição de circulação, contrariando especialistas e acenando a religiosos ao liberar cultos e missas. No dia 17 de março, por exemplo, chegou a anunciar que tomaria medidas mais restritivas, mas desistiu.

Para martelar a mensagem de que o tucano é o principal responsável pela vacinação no país e de que cada dose importa, Doria deve seguir acompanhando pessoalmente todas as entregas de lotes de vacina no Instituto Butantan, que ocorrem geralmente às 8h.

Neste ano, foram 15 agendas para recepcionar as entregas no instituto —Doria chegou a ir ao Butantan em dois dias da mesma semana em quatro ocasiões. Em uma semana específica de março, foi três vezes. O governador esteve ainda quatro vezes em aeroportos para a chegada de insumos em 2021.

Dados da consultoria Quaest, especialista em monitoramento de redes sociais, mostram que a popularidade de Doria está vinculada à vacina –o auge foi na aprovação e início da aplicação da Coronavac, em 17 de janeiro.

Desde então, o chamado Índice de Popularidade Digital (IPD) de Doria vem oscilando entre 20 e 30 pontos.

Em geral, as quedas de popularidade nas redes estão relacionadas a anúncios de medidas restritivas de circulação devido à pandemia, como no início de março. No dia 6 daquele mês, passou a valer a fase vermelha no estado de São Paulo. Cinco dias depois, Doria anunciou a fase emergencial, também de confinamento.

O anúncio da Butanvac, em 26 de março, teve efeito positivo apenas leve e não duradouro, assim como a mudança de tom nas redes sociais, com respostas de “vou te vacinar também” a apoiadores e detratores a partir de 29 de março.

A ideia é que a frase funcione como mote, uma vez que auxiliares do governador consideram que a vacina tem para Doria o potencial eleitoral que teve o Plano Real para Fernando Henrique Cardoso.

Nas redes sociais, o governador também passou a assumir a pecha de “calça apertada”, chegou a postar um meme ironizando o que seria uma perseguição de Bolsonaro a ele e fez montagem "virando jacaré" após tomar vacina.

Na avaliação dos especialistas em comunicação que acompanham Doria, as brincadeiras têm funcionado e serão mantidas. Ao usar humor, dizem, Doria neutraliza o efeito dos ataques de apoiadores de Bolsonaro e quebra o gelo com eleitores.

Para o cientista político Felipe Nunes, sócio-fundador da Quaest, ainda é cedo para avaliar os efeitos da nova comunicação de Doria, mas, até agora, não houve grande impacto.

"Uma estratégia digital que faz a diferença é capaz de mudar o político de patamar no IPD, ou produzir um efeito de tendência contínua de crescimento, o que não é o caso", diz.

A medição da Quaest mostra que, em abril, os fatores engajamento (volume de reações e comentários ponderado pelo número de postagens nas redes) e mobilização (total de compartilhamentos) de Doria indicam uma leve tendência de alta.

Ainda de acordo com Nunes, buscar interação nas redes é uma tática acertada. "Doria deixa de operar em uma lógica passiva e passa para uma lógica interativa. Engajamento e mobilização são ativos fundamentais para popularidade digital de qualquer personalidade pública. As pessoas preferem conversar, interagir, dialogar, a ficar ouvindo nas redes”, completa.

Também compõem o IPD as variáveis fama (público total nas redes), valência (proporção de reações positivas e negativas) e interesse (buscas por informação no Google e na Wikipedia).

No caso de Doria, o índice de interesse se destaca e costuma puxar o IPD para cima. Isso porque anúncios sobre as vacinas e fases da pandemia atraem buscas a respeito do governador.

"A dimensão interesse é a mais volátil entre todas porque Doria não tem um comportamento muito forte nas outras dimensões do índice. Sua fama, engajamento e mobilização ainda são baixos, comparativamente a outras lideranças nacionais", afirma Nunes.

No Palácio dos Bandeirantes, não há surpresa com a alta rejeição que Doria tem apresentado em pesquisas de opinião. Isso é esperado, afirmam auxiliares do governador, porque pesam sobre ele as consequências sanitárias e econômicas da pandemia.

Aliados de Doria dizem que ele paga um preço político por ter sido responsável e não populista, ao fechar o comércio e enfrentar Bolsonaro —tornou-se uma voz a favor da ciência e foi alvo do gabinete do ódio de Brasília.

“O governador Doria não prevaricou. Em uma pandemia, ele não se conformou ao assistir passivamente negacionistas fazendo comício em velórios”, afirma o secretário de Comunicação, Cleber Mata, ao comentar a rejeição.

“O governador Doria apostou nas vacinas: a vacina do Butantan e a vacina da informação. As duas ajudam a evitar mortes”, completa.

A aposta, contudo, é de que os números melhorem conforme a população, que já conhece a figura de Doria, tenha informação também sobre as ações do seu governo.

Membros da equipe de marketing do governador afirmam que o sentimento positivo em relação a ele nas redes está aumentando e que a campanha dará tempo e meios para convencer o eleitorado.

Mesmo nomes não simpáticos a Doria no PSDB, que questionam sua viabilidade eleitoral com base na baixa aprovação em São Paulo, admitem que Doria tenta se recuperar e tem entregas para contar uma boa história na eleição —se vai conseguir ou não, é dúvida.

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