Conselho Nacional de Saúde suspende estudo da Prevent Senior com cloroquina por indícios de fraude


Estudo começou em 26 de março, mas só recebeu autorização da comissão de ética em 14 de abril

Rede Própria | Prevent Senior

Phillippe Watanabe - Folha.com

O estudo inconclusivo da Prevent Senior sobre uso de hidroxicloroquina em pacientes com suspeita de Covid-19 violou os protocolos éticos de pesquisa e pode indicar fraude científica, segundo o CNS (Conselho Nacional de Saúde), órgão que integra o Ministério da Saúde.

A pesquisa da operadora de planos de saúde de idosos só recebeu autorização da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), ligada ao CNS, no dia 14 de abril. O estudo, porém, estava em andamento desde o dia 26 de março, e os resultados foram apresentados à imprensa na semana passada, antes da publicação em revista científica.

O CNS diz que estuda enviar para o Ministério Público os documentos referentes à falta de autorização da empresa para desenvolvimento da pesquisa e os depoimentos que estão sendo colhidos pela comissão.

Iniciar um estudo sem autorização é uma infração ética. "Ao que tudo indica, é uma fraude científica", diz Jorge Venâncio, coordenador da Conep. "Sabia que não era uma pesquisa aprovada pela Conep. Falou-se uma mentira aberta. Não é uma coisa dúbia, ambígua. É uma coisa muito mais grave. Tentaram apresentar como pesquisa científica algo que não é pesquisa científica."

O conselheiro afirma que uma audiência com pesquisadores e a Prevent Senior foi realizada nesta segunda (20). A empresa, segundo ele, disse na reunião que não tem responsabilidade quanto à publicação e que o estudo começará nesta quarta-feira (22). Ainda de acordo com Venâncio, a empresa afirmou que a publicação divulgada foi feita com dados de atendimento e que não há estudo relativo ao que foi apresentado.

Os fatos levaram a Conep a suspender a pesquisa que teria início, segundo a Prevent, na quarta.

"Eles disseram que não foram eles que apresentaram. Que quem apresentou teria sido um funcionário deles", diz o conselheiro. Segundo ele, o primeiro autor do estudo, o cardiologista Rodrigo Esper, pode ser chamado para depor.

O CNS afirma que solicitou que a empresa faça notas públicas esclarecendo o assunto.

Questionada pela Folha nesta segunda (20), a Prevent Senior afirmou que a pesquisa foi, sim, divulgada pela empresa e que "todos os protocolos clínicos desenvolvidos no âmbito da Prevent Senior respeitam as regras oficiais e as boas práticas médicas e de ética em pesquisa e são submetidos ao órgão regulador".

A empresa também diz que "o manuscrito disseminado na última sexta-feira (17 de abril) atribui, incorretamente, um número de protocolo na Conep. Os dados sobre pacientes contidos no documento não se referem, portanto, à pesquisa autorizada pela comissão do Ministério da Saúde. Trata-se de números reais de atendimento, mas não vinculados ao protocolo clínico relativo ao número da Conep."

Na sexta (17), após a Prevent Senior divulgar os dados do estudo para a imprensa, o diretor-executivo da empresa, Pedro Batista, disse à Folha que a pesquisa "traz uma resposta terapêutica segura para pacientes" de grupos de risco e com casos leves Covid-19. A afirmação encontra eco nas falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem defendido a hidroxicloroquina como solução para a pandemia apesar da falta de evidências científicas sólidas sobre sua eficácia.

No domingo (19), Bolsonaro chegou a compartilhar algumas informações que foram divulgadas pela empresa sobre a pesquisa.

A empresa também afirma à Folha que "o objetivo da Prevent é sempre o de compartilhar com outras instituições de saúde os resultados positivos obtidos no tratamento da covid-19".

"Todos os esclarecimentos serão prestados à Conep e permitirão possíveis ajustes para, em conjunto, encontrarmos respostas apropriadas para o combate ao novo coronavírus", diz a empresa, em nota.

A suposta pesquisa da Prevent Senior foi feita com mais de 600 pacientes com suspeita de Covid-19, dos quais 412 tomaram a combinação de drogas hidroxicloroquina e azitromicina. Segundo especialistas ouvidos e o próprio autor do estudo, Rodrigo Esper, não era possível concluir se os medicamentos tinham efeito contra o novo coronavírus por causa de falhas metodológicas.

Um dos problemas é que os pesquisadores não sabem se todos os 636 pacientes do estudo realmente tinham Covid-19. Além disso, todos os pacientes do estudo foram convidados a receber o medicamento, e o que se recusaram formaram um grupo à parte para comparação. Em estudos padrão ouro, os voluntários são divididos aleatoriamente em grupos diferentes e não sabem se estão recebendo o tratamento verdadeiro ou placebo, para evitar qualquer viés.

A empresa havia afirmado que o estudo seria publicado em uma revista científica de renome. Questionada sobre mais detalhes da publicação, porém, disse que a pesquisa só havia sido enviada à revista e ainda não tinha obtido resposta.

A reportagem também apontou a incongruência de registro da pesquisa no registro internacional para estudos clínicos, no qual constavam divergências em relação ao número de pessoas que fazem parte da pesquisa e suas datas de início e de fim.

Segundo o registro, que também só foi submetido na última segunda (13), o estudo só começaria nesta segunda (20), com um número inferior de pacientes em relação ao que consta no estudo que a Prevent Senior enviou à Folha e que já teria começado.

Até o começo do mês de abril e desde o início da epidemia do novo coronavírus no Brasil, a Prevent Senior ganhou atenção pela concentração de mortes pela Covid-19 em seus hospitais em São Paulo. O plano de saúde chegou a concentrar 58% das mortes pela doença em São Paulo.

No fim de março, o Ministério Público de São Paulo também instaurou um procedimento investigatório criminal para apurar a possível omissão por parte das equipes médicas do hospital Sancta Maggiore, da rede Prevent Senior, em ações obrigatórias para conter a proliferação do novo coronavírus.

Uma fiscalização de equipes de saúde municipal no hospital achou pacientes infectados pela Covid-19 cuja situação era desconhecida pelos órgãos de controle de doenças infectocontagiosas, notificação que é obrigatória por lei.

A empresa chegou a ser criticada pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

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