'Mudar a Constituição para antecipar eleição não é o caminho', diz advogado Belisario dos Santos Jr


ROGÉRIO GENTILE - FOLHA.COM

Belisario dos Santos Jr, advogado e ex-secretario de Justiça do Estado de São Paulo
Zanone Fraissat/Folhapress 

Secretário da Justiça e da Administração Penitenciária de São Paulo durante o governo Mário Covas (1995-2001), o advogado Belisário dos Santos Júnior, 68, diz que, a princípio, é contra a antecipação da eleição presidencial.

"A alteração da Constituição em momentos de crise nem sempre se mostra o melhor caminho", afirma.

*

Folha - Qual a saída da crise?
Belisário dos Santos Jr - A crise política, de confiança, de legitimidade só se resolve com cumprimento da Constituição e com eleições.

O sr. defende uma mudança na Constituição para antecipar a eleição presidencial?
Defendo acima de tudo o cumprimento da Constituição. A Constituição tem receita para enfrentar esta dramática situação. A alteração da Constituição em momentos de crise nem sempre se mostra o melhor caminho. Agora, se razões de fato levarem ao colo do Congresso uma escolha indireta, só um nome acima de qualquer suspeita afastaria eleições diretas já.

O sr. tem críticas à Lava Jato?
A Lava Jato mostra que não há pessoas intocáveis. Passa mensagem de que ninguém está acima da lei. Por outro lado, algumas operações de caráter espetacular, algumas decisões como as tais conduções coercitivas de pessoas que jamais foram convocadas, causam receio aos operadores do direito. Quando não se cumpre a lei, o mérito da operação é esquecido e debate-se apenas a forma. Isso não é bom para a democracia. Isso não é bom nem para a própria Lava Jato. É possível conduzir operações observando a lei. Sem invadir escritórios de advocacia. Sem cercear habeas corpus, sem cercear o acesso de advogados aos autos. Quando se viola uma lei processual, se viola o direito de todos, não só dos afetados.

Num artigo de 2004 sobre a operação Mãos Limpas, na Itália, o juiz Sergio Moro disse que a opinião pública é essencial para o êxito da ação judicial contra a corrupção. Algumas ações da Lava Jato têm um objetivo estratégico?
Fico com receio que haja, sim, um objetivo estratégico, como ficou claro com a divulgação das gravações que não poderiam ter sido feitas. Há um objetivo estratégico. O Ministério Público tem usado muito isso de uns tempos para cá. Frequentemente, no fim da tarde da sexta-feira, a gente recebe noticia de que prenderam fulano ou sicrano. Há essa preferência, porque o cidadão fica dois ou três dias preso sem que o advogado possa fazer algo.

O procurador Deltan Dallagnol [da Lava Jato] costuma reclamar do que chama de hipergarantismo. "É um garantismo hiperbólico, porque exacerbado, e monocular, porque só olha os direitos do réu, e não olha o direito da sociedade e das vítimas". O que o senhor acha disso?
Não existe hipergarantismo. O Ministério Público e a polícia têm um aparato monumental à sua disposição para investigar uma pessoa. Essa pessoa tem apenas o seu defensor. A ação do Estado tem de ser cerceada pelos instrumentos de proteção da cidadania. Temos de ter instrumento para nos defender. O que protege a sociedade é o cumprimento da lei. É o cidadão saber que, quando um caso é levado a juízo, quando há prisão, a massa de direitos e garantias foi respeitada.

Houve abuso de autoridade no caso da condução coercitiva do presidente Lula?
Não sei o nível de resistência que ele havia oferecido antes daquele ato. Mas não me passa pela mente entender como normal e natural que um ex-presidente tenha de ser levado sob vara, custodiado numa operação seguramente cara, para prestar um simples depoimento. Não passa pela cabeça que seja necessário.

Como o sr. vê o acirramento das relações no Judiciário e no Ministério Público. As autoridades estão falando demais?
Às vezes, os juízes estão falando fora do marco das suas atividades. Sou de uma época em que era frequente ouvir a frase de que juiz só fala nos autos. Não era melhor nem pior. Hoje não há possibilidade de trancar o juiz dentro de um mutismo. Não é possível que se peça que o juiz seja uma estátua de gelo diante de uma realidade mutante. Os tempos digitais permitem que o juiz fale. Às vezes é até importante. Mas tem um fenômeno da segurança jurídica. A questão não é falar mais ou menos, mas em conduzir um avanço na interpretação das leis que seja justificado e que possa servir de parâmetro para o cumprimento da lei.

O sr. é a favor do mecanismo da delação premiada?
Não tenho nada contra a lei da delação, mas não se pode ignorar que a pessoa que delata praticou um crime. Os benefícios não podem ser de tal forma que tornem a delação interessante para o criminoso. Tem de haver um justo prêmio, mas não pode ser um habeas corpus para a liberdade. Além disso, não se pode forçar a delação com a prisão.

Em artigo na Folha, o sr. escreveu que a TV Cultura precisa promover e defender o exercício da liberdade de opinião. O que o sr. achou do episódio no qual a emissora censurou trecho de uma música da banda Alfa que fazia críticas a João Doria e Geraldo Alckmin?
Conversei em seguida com o presidente Marcos Mendonça, que não conhecia o episódio. Ambos concordamos que era necessário passar o programa de novo, sem censura. Isso foi feito.

Comentários