Justiça bloqueia bens e quebra sigilo do presidente estadual do PT


Em ação civil, Ministério Público acusa Emídio Pereira de Souza de improbidade ao firmar convênio sem licitação com entidade no valor de R$ 1,5 milhão quando exercia mandato de prefeito de Osasco, em 2010

FAUSTO MACEDO - ESTADÃO


Emídio de Souza. Foto: Epitacio Pessoa/Estadão

A Justiça decretou bloqueio de bens e a quebra do sigilo bancário e fiscal do presidente estadual do PT Emídio Pereira de Souza em ação de improbidade. Segundo a ação, o petista firmou convênio sem licitação com o Instituto Cidad, em 2010, no valor de R$ 1,5 milhão, quando exercia o mandato de prefeito do município de Osasco, na Grande São Paulo. A decisão é do juiz José Tadeu Picolo Zanoni. Ele avalia que a Promotoria aponta ‘fatos graves que, realmente, justificam a concessão das medidas’.

A ordem, datada de 7 de março, atinge o montante de R$ 4,2 milhões, conforme pedido da Promotoria, e alcança solidariamente o petista e outros 12 investigados, entre pessoas físicas e jurídicas. São citados na ação Estanislau Dobbeck, ex-secretário de Finanças de Osasco, e Renato Afonso Gonçalves, ex-secretário de Assuntos Jurídicos, ambos da gestão Emídio


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O período de afastamento do sigilo de Emídio e dos outros acusados pela Promotoria vai de janeiro de 2010 até 25 de maio de 2012.

O magistrado ponderou que, ‘tendo em vista o valor da causa e a necessidade de assegurar a reparação do dano os bloqueios de imóveis e veículos já é suficiente para tanto’. Para Picolo Zanoni o congelamento de valores em conta, principalmente das pessoas físicas, alcançaria dinheiro de salários e outras quantias impenhoráveis.

Ex-prefeito de Osasco por duas vezes (2005/2012), fundador do PT, Emídio foi eleito presidente do Diretório Estadual de seu partido em novembro de 2013 para mandato de quatro anos. Em 2014 ele coordenou a campanha de Alexandre Padilha para o governo de São Paulo e colaborou diretamente na campanha de reeleição de Dilma Rousseff à Presidência.

A ação contra Emídio e os outros citados, ajuizada em 19 de janeiro, é subscrita por seis promotores de Justiça que integram o Projeto Especial Tutela Coletiva, braço do Ministério Público do Estado.

O ponto central da ação, em 59 páginas, é o convênio 09512010, firmado em 24 de setembro de 2010 pela gestão Emídio com o Instituto Cidad destinado à ‘cooperação técnico-financeira para pesquisa na área de finanças públicas’.

Pelo contrato, o Instituto deveria promover o ‘desenvolvimento de projeto de otimização das finanças públicas municipais, a partir de pesquisas, com levantamendo de dados e de estatísticas que considerem as peculiaridades do Município, visando o desenvolvimento conjunto e uma nova metodologia de incremento das receitas públicas, com escopo central na recuperação de receitas, créditos despesas já incorridas e na cobrança de valores inscritos pelo Convenente em Dívida Ativa’.

Seis dias depois de firmado o convênio, o governo Emídio efetuou o pagamento de R$ 1,1 milhão ao Instituto Cidad. Em 17 de dezembro de 2010 foram pagos mais R$ 300 mil. Os promotores advertem que o Instituto não detinha capacitação para justificar a dispensa de licitação pelo critério da ‘notória especialização’.

“Acontece que o ‘convênio’ está eivado de ilegalidades, revelando-se uma engenhosa forma de desvio de dinheiro público”, afirmam os promotores. “O que o Município visava com a celebração do acordo era. supostamente, aumentar a arrecadação e diminuir sua dívida. ao passo que o Instituto Cidad buscaria conhecimento na área da administração pública.”

A investigação mostra que o Instituto repassou os valores ‘a terceiros’ – outras pessoas jurídicas. Os promotores ressaltam que a redistribuição de recursos era vetada.

A ação contra Emídio, seus ex-secretários e os outros citados destaca que o Tribunal de Contas do Estado condenou o Instituto a devolver ao município o valor de R$ 1.402.617.14, devidamente corrigido. “A justificativa foi no sentido de que ‘a Municipalidade utilizou-se de convênio para repasse de recursos ao Instituto Cidad sem que existisse um interesse convergente entre as
partes.”

Os promotores sustentam que ‘da forma como agiram. os requeridos (Emídio e os outros citados) permitiram favoritismos, em detrimento dos princípios que regem a administração pública’.

“Ignoraram as normas da Lei 8.666/93 (das Licitações) em evidente prejuízo para os cofres públicos”, afirma a ação.

“Os demandados contrataram o Instituto sem licitação. sob a máscara de ‘convênio’, quando na verdade. o que fizeram foi um contrato de prestação de serviços. E pior, sem sequer uma cotação de preços. Resta patente, portanto, que rotular o negócio como ‘convênio’ demonstra intenção de disfarçar sua natureza, a fim de subtraí-lo à incidência da lei 8.666/93, porquanto o Instituto Cidad não preenche os requisitos para contratação com dispensa de’ licitação, sobretudo no que tange à notória especialização.”

Os promotores assinalam, ainda. “Há sérios indícios de que o Instituto Cidad não passa de uma organízação criminosa destinada a desviar dinheiro público.”

A investigação sobre a movimentação financeira dos valores recebidos pelo Instituto mostra que, recebido o crédito de R$ 1,1 milhão, foram transferidos R$ 478.635.00 por meio de TED no dia 6 de outubro de 2010 enquanto R$ 618.365.00 foram aplicados em conta-investimento no dia 15 de outubro daquele ano. Outros R$ 164.340.42 foram transferidos por meio de TED. Depois, no dia 1.º de janeiro de 2010, foi transferido por TED o valor de R$219.642,92. No dia 6 de janeiro de 2011 foram transferidos para aplicação R$ 177.474,09. “As transferências foram destinadas a pagamento de fornecedores.”

Segundo a ação, ‘os atos praticados caracterizam a prática de improbidade administrativa e causaram prejuízo ao erário. nos termos da Lei 8.429/92 (Improbidade)’.

“Fácil perceber que as ilegalidades consubstanciam a totai inviabilidade da celebração de ‘convênio'”, afirmam os promotores, que indicam seis motivos. a) em razão do objeto impreciso e genérico: b) impossibilidade de convênio com entidades com fins lucrativos; c) ausência de demonslração de desvantagem da execução direta; d) impossibilidade do repasse de verba pública pela conveniada a lerceiros; e) ineficácia da celebração do convênio sem a participação da PUC/SP e, sabretudo; f) a caracterização do ‘convênio’. na realidade. como contrato bilateral e a falta de licitação.

Na ação, os promotores enfatizam. “O Instituto Cidad foi beneficiado com a celebração do tal ‘convênio’, de forma ilegal e inconstitucional, sem se submeter ao prévio e imprescindível procedimento licitatório. Com o ‘convênio’, recebeu R$ 1,4 milhão repassando grande parte do montante às empresas Cognus e Proeng. Ainda que se intituie ‘sem fins lucrativos’, parece evidente que seus sócios auferiram lucro considerável, proveniente dos cofres públicos, mas fruto de vício insanável.”

Ao requererem o bloqueio de bens de Emídio e dos demais investigados, o Ministério Público argumentou. “Com a finalidade de restabelecer a moralidade administrativa e garantir o ressarcimento dos prejuízos causados ao patrimônio público, a Constituição impõe a indisponibilidade dos bens daqueles que, no exercício de função pública, praticarem atos de improbidade.”

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