"Atlas da insegurança", editorial da Folha


Folha de S.Paulo



Quem considera o Brasil um país pacífico e amigável precisa debruçar-se sobre o "Atlas da Violência".

Em quase qualquer página do compêndio produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública se podem encontrar razões para mudar de visão. Os dados assombrosos saíram do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.

Houve 59.627 vítimas de homicídio no Brasil em 2014, uma morte a cada nove minutos. Um recorde para o país e o maior número absoluto do mundo, correspondendo a mais de 10% dos assassinatos no planeta (a população brasileira não chega a 3% da mundial).

Pior, não se trata de aumento isolado, mas de um degrau em uma escalada fúnebre. Como o número de homicídios subiu mais que o de habitantes, elevou-se a taxa por 100 mil, indicador mais usado para exprimir o grau de violência numa sociedade. Foram 29,1 em 2014, um dos mais elevados do mundo.

Não é trivial extrair conclusões abrangentes para orientar ações contra essa epidemia, pois ela decorre de uma miríade de processos sociais na escala regional e local.

Em geral o Atlas aponta que, de 2004 a 2014, os índices aumentaram de modo acentuado no Nordeste, em cidades do interior e entre jovens do sexo masculino e de cor preta e parda (conforme a definição do IBGE).

São nordestinos 8 (AL, BA, CE, MA, PB, PI, RN e SE) dos 11 Estados em que o número de homicídios mais que dobrou. Os restantes estão na região Norte (AC, AM e PA).

O Rio Grande do Norte aparece como o recordista, com 361% de aumento. Mas o Nordeste também apresenta um caso auspicioso: Pernambuco, onde a década produziu decréscimo de 21% nos assassinatos (embora com aumento de 6% de 2013 para 2014).

Em paralelo, as mortes violentas também retrocederam no Sudeste, puxadas por São Paulo, com recuo de 46%, seguido de Rio de Janeiro (-29%) e Espírito Santo (-1%). Já Minas Gerais teve acréscimo de 10%.

A elevada vitimização de jovens pretos e pardos pode estar relacionada com essa migração proporcional dos homicídios para o Nordeste, onde é maior a parcela da população nessas classes do IBGE, que o Atlas agrupa como "negros".

Os números estão na mesa. Ainda que os diagnósticos continuem a ser refinados no campo acadêmico, têm de partir do poder público as ações para debelar esse flagelo.

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