Delegado da Polícia Federal afirma que Lula é investigado na Zelotes


Advogados dos réus chamam a segunda investigação de ‘inquérito paralelo’

ANDRÉ DE SOUZA - O GLOBO


Em ofício encaminhado à Justiça Federal, o delegado da Polícia Federal (PF) Marlon Cajado afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é investigado em um segundo inquérito policial já em curso na Operação Zelotes. O objetivo da ação é saber se, além de dois servidores que já são réus, outros foram também corrompidos ou se menção aos nomes deles era apenas uma forma de os acusados propagarem influência que não tinham.

Há duas semanas, a defesa de Lula entrou com uma petição na Justiça Federal de Brasília para pedir que o ex-presidente seja dispensado de prestar depoimento no processo da Zelotes. Ele foi arrolado como testemunha do lobista Alexandre Paes dos Santos, um dos réus da operação. A defesa de Lula argumentou que ele já havia prestado depoimento à Polícia Federal (PF) sobre o assunto.

“Fez-se necessária a instauração de novo procedimento policial expediente (sic) tentar alcançar a verdade real sobre os fatos apurados, isto é, se outros servidores públicos foram de fato corrompidos e estariam associados à (sic) essa organização criminosa, ou se estaria 'vendendo fumaça' vitimando-os e praticando o tráfico de influência com relação aos mesmos, a saber, Erenice Alves Guerra, Dyogo Henrique e Oliveira, Nelson Machado, Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, Helder Silva Chaves, Ivan João Guimarães Ramalho, Miguel João Jorge Filho, entre outros”, diz trecho do ofício.

O Instituto Lula informou que, em um primeiro momento, estranha a informação do delegado. De acordo com o instituto, Lula foi comunicado de que falaria na condição de informante quando depôs na PF, e nada foi dito de que ele estaria sendo investigado.

Erenice Guerra foi ministra da Casa Civil em 2010. Dyogo Oliveira é o atual secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento. Nelson Machado foi ministro da Previdência. Gilberto Carvalho foi chefe de gabinete de Lula e ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República durante o primeiro mandato do governo da presidente Dilma Rousseff. Helder Chaves e Ivan Ramalho trabalharam no Ministério do Desenvolvimento, pasta que já foi chefiada pelo ex-ministro Miguel Jorge.

Os advogados dos réus chamam a segunda investigação de “inquérito paralelo” e reclamam que ela apura os mesmos fatos da ação penal já em curso na Justiça Federal do Distrito Federal. Na opinião deles, seria uma forma de produzir novas provas acusatórias, sem chance para a defesa se manifestar na ação penal. Reclamaram também da citação, no depoimento do ex-servidor da Receita Federal João Gruginksi, aos nomes dos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR), o que obrigaria a levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), corte que pode processar e julgar parlamentares.

SEGUNDO INQUÉRITO FOI ENVIADO À JUSTIÇA

No ofício, o delegado isenta os dois senadores de culpa, não sendo, portanto, necessário que o processo saia da primeira instância. “O que pode causar ter vindo a causar (sic) a celeuma foi a menção em documento elaborado pelo João Batista Gruginski de que Alexandre Paes dos Santos teria falado que os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá estariam negociando a emenda que o Gruginski havia preparado por milhões de reais. A nosso ver, se trata de uma única menção de nomes de parlamentares cuja corrupção em princípio não encontra amparo em outros documentos juntados aos autos, o que denota a prática de mais um crime de tráfico de influência atribuível aos acusados, o que em princípio não daria azo a instauração de novo inquérito policial”, escreveu Cajado. Alexandre Paes dos Santos, o APS, é um dos réus na ação penal.

O delegado ressalva que, caso haja necessidade de aprofundar a investigação em relação a quem tem prerrogativa de foro, que é o caso dos dois senadores, a PF comunicará imediatamente a instância adequada. O juiz responsável pela Zelotes, Vallisney de Souza Oliveira, reafirmou que a primeira instância é o local adequado para o prosseguimento da ação penal, mas informou que comunicará o STF a respeito do depoimento de Gruginski. A força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que cuida da Zelotes terá reunião na tarde desta quinta-feira, quando deverá deliberar sobre a questão.

O advogado Luís Rassi - que defende os réus Fernando Mesquita e Francisco Mirto - voltou a defender a suspensão da ação penal e do inquérito e que as provas produzidas sejam descartadas.

— Eu acho que teria que voltar ao zero, sem as buscas, sem as interceptações. Porque o escopo da investigação seria os senadores — disse Rassi, concluindo: — É o Supremo que tem que delimitar sua própria jurisdição. Não é o juiz de primeiro grau, o procurador ou o delegado de polícia.

No ofício, Cajado também negou paralelismo, dizendo que “não há dois inquéritos tramitando concomitantemente para apurar o mesmo fato” e concluindo: “o que de fato acontece é que uma ‘investigação criminal’ pode ocorrer em mais de um procedimento policial e judicial”. Isso porque o inquérito que deu origem à ação penal precisava ser encerrado, uma vez que havia réus presos. O primeiro inquérito reuniu elementos que, segundo Cajado, incriminam dois servidores públicos: o ex-diretor de Comunicação do Senado Fernando César Mesquita e a ex-assessora da Casa Civil Lytha Spinola.

Ele diz que a Justiça Federal já tinha sido comunicada sobre o segundo inquérito desde 4 de janeiro deste ano, quando foi pedida a prorrogação dos prazos da investigação. Na ocasião, o pedido foi aceito, mostrando ter passado pelo crivo do Judiciário e do Ministério Público, diz Cajado. Ele também defende a possibilidade de produzir novas provas.

“A instauração de novos inquéritos para apurar outras condutas ilícitas atribuíveis à organização criminosa, e até a participação de novos indivíduos à mesma não se trata de nenhuma ilegalidade. Entender de outra forma é assumir que a proposição de ação penal preclui a apuração de qualquer outro crime que possa ser atribuído a alguém, ou mesmo, a invenção de uma forma extralegal de prescrição da pretensão punitiva o Estado com relação a outras condutas e outras pessoas, as quais podem ser processadas em nova ação penal se assim entender por bem o Ministério Público”, disse Cajado.

OPERAÇÃO INVESTIGA PROPINA E VENDA DE MPs

A Zelotes começou investigando irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda. Conselheiros receberiam propina para reduzir e anular multas aplicadas aos contribuintes pela Receita Federal. Depois, os investigadores também passaram a analisar possível venda de trechos de medidas provisórias para beneficiar algumas montadoras, entre elas a Caoa, representante da Hyundai, e a MMC Automotores, que fabrica veículos da Mitsubishi no Brasil.

A PF e o Ministério Público Federal (MPF) também investigam as relações entre Luis Cláudio Lula da Silva, um dos filhos de Lula, e a Marcondes & Mautoni, empresa de lobby acusada de comprar trechos das medidas provisórias favoráveis a Caoa e a MMC. A Marcondes & Mautoni recebeu mais de R$ 32 milhões das duas montadoras no período em que estaria em curso tratativas para a alteração de três medidas provisórias de concessão de benefícios fiscais para montadoras. As MPs foram editadas em 2009, 2011 e 2013. A LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Cláudio, recebeu R$ 2,5 milhões, da Marcondes & Mautoni.

À PF, em depoimento no dia 6 de janeiro, Lula disse que seu filho não o informou com antecedência que receberia R$ 2,5 milhões. Também negou ter recebido lobistas durante seu mandato. Segundo o termo de declaração, ele disse que “nunca foi procurado por lobistas das SGR Consultoria Empresarial e da Marcondes e Mautoni Diplomacia Corporativa para tratar de interesses da MMC ou CAOA junto ao governo ou para tratar de prorrogações de incentivos fiscais através de medidas provisórias”.

Lula também foi indagado se os pagamentos feitos a Luis Cláudio eram algum tipo de contraprestação por serviços prestados pelo ex-presidente à empresa Saab, que venceu a concorrência para a compra de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB). Lula disse que isso era “um absurdo” e negou ter atuado nesse sentido. A PF também perguntou se os pagamentos tinham sido feitos em troca da elaboração de medidas provisórias. Segundo Lula, essa hipótese era “um outro absurdo”.


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